quinta-feira, 14 de maio de 2009

A Amplitude do Anarquismo: Patch Adams



A metáfora dos fios d’água penetrando no solo poroso, comumente usada pra caracterizar a filosofia, ideologia, doutrina, metodologia, ou seja lá como quiser chamar, anarquista, me agrada bastante. Me remete a uma idéia cara ao chamado anarquismo social (que pra mim é a mesma coisa que o dito ‘anarquismo sem adjetivos’), do qual, também, declaro-me simpático, que busca a valorização das mais variadas idéias, posturas e ações que têm por base a preocupação com o respeito, liberdade, autonomia e dignidades humanas. Alguns costumam opor o anarquismo social ao anarquismo individualista e, sinceramente, não consigo enxergar de que forma essas duas correntes são excludentes. Penso exatamente o contrário: o anarquismo social comporta os individualistas, afinal de contas é mais uma percepção libertária da sociedade – de modo que não há um porquê da não convivência dos dois...aliás, creio não ser possível vislumbrar um sem o outro.

Nesse sentido, creio que toda e qualquer idéia libertária (e aqui excluo as que instrumentalizam a violência contra serem humanos como método de ação, bem como as vertentes de caráter essencialmente classistas do anarquismo), é válida – inclusive aquelas que, numa primeira vista, não possuem algum engajamento explícito, ou atuam em esferas aparentemente, mas só aparentemente, que detém importância de segunda ordem, me vindo em mente, agora, o exemplo das técnicas de massoterapia, muitas vezes vistas com escárnio nos meios libertários, apesar d’eu ver com ótimos olhos uma iniciativa que procura re-significar o corpo e os movimento num contexto em que esses estão particularmente escravizados pelo trabalho, pela estética e pelo consumo. Me interessa também as vertentes que visualizam filosofias como o cristianismo, o budismo e sei-lá o que mais numa nova perspectiva.
Bom, na verdade fiz esse rodeio todo apenas para justificar o tema desse post, pois se vocês leitores vierem com comentários do tipo: “Ele não é anarquista!”, ou “Esse cara só faz caridade”, e ainda “Ele não possui uma crítica firme contra o estado”, já deixo aqui a minha réplica: Vão à merda!!No último dia 5 de maio, esteve no Brasil o médico americano Hunter “Patch” Adams. Isso mesmo! Aquele cara daquele filme ‘bonitinho’ de Hollywood: “Patch Adams: O Amor é Contagioso”(1998), com direção de Tom Shadyac. Filme que fez um baita sucesso por conta da visão que o tal médico tem a respeito da comunidade do qual faz parte (numa palavra: revolucionária) e, também, pela concepção humanista que propõe a respeito de conceitos como ‘cura’, ‘doença’, ‘saúde’, ‘amor’, ‘amizade’, ‘relação médico X paciente’, ‘hospital’, ‘remédio’ etc.
Não tenho como saber se Patch teve contato ou se aprecia a filosofia anarquista, mas creio que ele está pouco se fudendo pra isso. Aliás, é quase certo que conheça sim, pois ele é um tipo de intelectual raro hoje em dia...daqueles generalistas que lêem e citam de tudo, mesmo tendo uma formação específica. Vemos isso na, simplesmente espetacular e devastadora, entrevista que deu em 2007 para o programa Roda Viva da Tv Cultura (assistam, pelo amor de Deus), onde mostra influências das mais variadas áreas: pedagogia, literatura, teatro, história, filosofia, arquitetura e o caralho. Pra quem assistiu ao filme, não julgue-no por aí, pois o próprio Patch o detona em vários aspectos na entrevista (e também na palestra que tive a oportunidade de participar), apesar de ser tributário do mesmo em função do fato de ter incentivado a formação de uma gama de movimentos por todo o planeta fundamentados na sua filosofia. Projetos como o Doutores da Alegria, para citar apenas o mais conhecido dentre vários outros só no Brasil, adotam as posturas propostas por Patch.
É difícil falar dele e de suas idéias. Não foi à toa que comecei esse post falando da amplitude que a filosofia / metodologia anarquista pode atingir. E é assim que vejo Patch Adams, o humanismo anárquico em pessoa. Daí a dificuldade. Não vou gastar espaço aqui falando detalhes de sua biografia e de suas práticas, para tal, dêem uma olhada nesse ótimo artigo no Wikipedia.
Ele é como um trator que luta 24h/dia contra os poderes e autoridades instituídos – e me refiro, principalmente, aqueles poderes do dia-a-dia: o médico arrogante, o político presunçoso, o policial babaca, o capitalista cínico, o chefe de seção autoritário...ou seja, aquela micro-rede de poder, onipresente e difusa, de que trata Foucault. Ao mesmo tempo, é uma pessoa linda, doce, extremamente humana, cordial, engajada e consciente o que, pra mim, faz dele um grande revolucionário real, palpável, para além de ‘ismos’ e coisas do gênero.
Como um intelectual, as preocupações e atuações de Patch Adams vão muito além da questão da saúde, que nós entendemos simplificadamente como ‘ausência de enfermidade’, estrapolando a questão pra outras discussões. Então, ele começa falando de qualidade de vida, amizade e bem estar, amor e, dali a pouco, já conecta essas noções com debates mais amplos como justiça social, desigualdade, os problemas do capitalismo tardio, globalização, multinacionais, indústria farmacêutica, saúde pública, consumismo, mídia, feminismo etc... Em suma, é a amplitude do alcance de suas práticas e idéias que impressiona e me leva a senti-lo como um tsunâmi libertário, incansável, diga-se de passagem.
A idéia desse post não é instituir um herói – nada seria mais antipático à filosofia anarquista e ao próprio Patch Adams do que isso. Minha intenção é a de mostrá-lo como inspiração, esperança e crença no fato de que outra humanidade é possível, a começar pela relação com o seu vizinho. Por fim, pensando em Patch Adams, uma onda de realismo me invade: por que complicamos tanto as coisas? Por que essa obsessão encarniçada com poder e dinheiro? Por que, simplesmente, não procuramos ser simples e amar? Como ele bem coloca num trecho da entrevista dada ao Roda Viva, “...estamos todos numa cesta de mentiras!...e nem paramos pra pensar nisso”. É como se agíssemos por instinto, mas essa não é a natureza humana no seu todo, mas apenas parte dela. Devemos apenas descobrir como valorizar mais o outro lado...pois aquele que odeia também ama, aquele que é egoísta também sabe ser solidário.
A questão que quis abordar aqui é muito ampla...e só usei o Patch de pretexto (um ótimo pretexto,não?!). Na verdade estou questionado a natureza humana...tentando estabelecer uma conexão com as filosofias anarquista e humanista. Tema que incomodou, recentemente, meu grande amigo Hilário. O que quis aqui foi jogar uma importante questão para debate.
Há uma outra entrevista concedida por Patch à Revista Veja que, até hoje, não entendo o porquê de tê-la cedido. Afinal de contas, quando da sua vinda aqui em 2007 e agora em 2009, ele recusou vários convites da grande mídia. Bom, o resultado,como não poderia deixar de ser, foi essa entrevista horrível, totalmente editada, cortada e esvaziada. O que vocês queriam também? Estamos falando da revista de pior qualidade e mais reacionária do país.

*-*-*

Nesse post dei pitaco em várias questões que não domino: cinema, Foucault, medicina / enfermagem. Portanto, meus amigos que sacam disso de verdade, metam a colher na discussão aí! (Viram? Davidson, Imara e Aline!!)
Copatch: Grupo que organiza as visitas de Patch Adams ao Brasil.

8 comentários:

  1. Não fui chamado na conversa, mas vou dar meu pitaco...
    Realmente é dificil encontrar um profissional, em qualquer área que seja, que esteja realmente enganjado com sua profissão como Patch... quantos de nós seria capaz de ir na contra-mão de seu ofício? quantos lutariam contra um imperio de corrupção que mina seus esforços a cada segundo?
    Outra coisa importante a ressaltar, como vc mesmo disse: "Então, ele começa falando de qualidade de vida, amizade e bem estar, amor e, dali a pouco, já conecta essas noções com debates mais amplos como justiça social, desigualdade, os problemas do capitalismo tardio, globalização, multinacionais, indústria farmacêutica, saúde pública, consumismo, mídia, feminismo etc..." Patch está atento a tudo que envolve o ser humano (nada espantoso pra um médico, espantoso são os que pouco se lixam).

    É importante levantar estes assuntos pra que possamos ver o quanto extensa são as mazelas socias, e concordo com o que disse sobre "anarquismo individualista", mas ainda assim mantenho minha opnião da reunião de sábado passado: concordo com todos, ou pelo menos quase todos, movimentos que tenham interesse em solucionar as várias questões sociais... mas a "revolução" se dará (na minha humilde visão) sem particularismos, talves até com solidariedade social...

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  2. Pro inferno Peres!! Que não foi convidado o que! Eu é que fiz um convite mais enfático pra esse pessoal aí porque eles são tudo enrolado!

    Verdade isso que disse, tinha que achar comum um cara como o Patch...mas, infelizmente, o cara é excessão! Foda!

    Só ma coisa, o lance não é "sem os particularismo", afinal de contas casa tem tem as suas demandas, como você bem disse no post sobre a questão do trasnporte lá embaixo. Temos que gerar convergência e solidariedade a fim de gerar algo maior, ou seja, temos que integrar os particularismos numa solidariedade mais ampla...aí sim teríamos muita força!

    Falô!

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  3. Interessante dessa discussão é perceber como muitas vezes nos perdemos em algumas divagações teóricas sobre como o mundo deveria ser e nos esquecemos de nos questionar sobre o que podemos fazer para que ele seja mais da forma como gostaríamos que fosse.

    Nesse ponto, a inspiração de pessoas interessantes, como é o caso de Patch Adams, nos lembram da necessidade de revoluções individuais e cotidianas.

    Diante a todas as pressões para que as coisas se mantenham como estão, apenas essas pequenas conquistas diárias podem nos dar forças para que continuemos em frente.

    Elas, inclusive, nos ajudam a refletir sobre as grandes mudanças que tanto desejamos que aconteçam e ajudam aos demais a acreditar que elas são possíveis.

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  4. Concordo com o Bento Epaminondas, a maior contribuição de Pacth Adams é da ordem da prática e não da teoria. Em certa medida ele representa o que a tradição libertária americana tem de melhor.

    Contudo ele parece ignorar a realpolitik com ideías um tanto estranhas tal como a centralidade do amor na orgaização da sociedade ou entáo a validade de um "matriarado". Ele me lembra aqueles utópicos do século XIX que se optaram por apostar na bondade d homem, negligenciando os embates da política real.

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  5. Essa questão da prática dele é muito legal!

    Bem lembrado Davidson, essa veia da cultura politica norte-americana, na minha opinião, é das coisas mais fodas que existe no planeta. O que me resta de respeito em relação a sociedade americana depois da era Bush, entre outras coisas, é justamante esse aspecto libertário deles. Sempre paguei um pau ferrado pra isso.

    Quanto ao lance do matriarcado não sei se concordaria com você. O que no discurso dele lhe permite afirmar isso? O fato do seu engajamento em prol das mulheres e da observação que faz na entrevista sobre passar os cargos de poder para elas?

    Quanto a essa negação da real politik, é uma coisa forte nele mesmo...não só dele, mas justamente dessa linha libertária norte-americana. O lance é pura ação-direta, ele fala como se o estado não existisse...a não ser nos aspectos negativos.

    Quanto à bondade do homem e a questão do amor que você citou, de fato ele faz uma aposta alta nisso mesmo. Mas me diga, em que acha estranho a questão da ênfase no amor? Público X Provado? O aspecto moral? Diga aí!!

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  6. Márcio, vamos falar sobre Jesus...

    Se formos crer em Voltaire, Jesus não andava só com os 12, mas estava acompanhandos de uma súcia bem maior. Isso expliaria, por exemplo, sua audácia de expulsar vendedores de um templo que estavam vendendo animais que seriam sacrificados nesse templo. Isto é, os mercadores tinham autorização para está naquele local.

    Jesus, ainda pensando em Voltaire, só teve aquela coragem, pois havia mais que uma dúzia lhe protegendo.

    O que eu quero dizer com isso é que proselitar sobre o amor é extremamente difícil e talvez até contraproducente. Espera-se que os "messias", "profetas" e "reformadores sociais" sejam mais práticos, quando não violentos.

    É mais fácil mobilizar as pessoas utilizando o argumento do ódio do que o amor.

    É filosificamente edificante, mas politicamente estéril. Por isso Hobbes ("o homem é mau") teve maior eficáciao do que Rousseau ("o homem é bom"), por isso Marx teve maior aceitação que Saint-Simon.

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  7. Davidson, ótimas colocações, mas vamos pensar numa outra perspectiva.

    Quanto à questão do ódio como fator mobilizador, creio que o que disse faz bastante sentido. Mas não todo sentido.

    O ódio por si próprio não gera mobilização, na verdade algo deve vir por trás que produza laços de solidariedade (convergência de interesses): nacionalismos, uma outra ideologia qualquer, um princípio cooperativo...como isso vai ser capitalizado, e por quem, aí já é outra conversa...sendo a criação de um clima de ódio bastante funcional, claro!

    Que é mais fácil, como colocou, também concordo, mas não é por isso que devemos aceitar esse princípio.

    O ódio, em geral, é um sentimento simplista, reativo, irracional...dá menos trabalho do que amar, por isso a turma prefere sentar o rabo no sofá e ficar xingando o próximo.

    O amor é algo construtivo, dá trabalho, exige consciência ética, respeito e muita, mas muita, tolerência e exercício de deslocamento do olhar.

    O amor pressupõe algum tipo de proximidade, laços comunitários vivos, dinâmicos e atuantes,troca de experiências e etc. O ódio é burro, se faz por cartazes, pela televisão, pelo rádio. Portanto, na típica sociedade moderna/pós moderna, o ódio é um instrumento mais eficaz - pois age sobre indivíduos atomizados.

    Numa sociedade com laços mais firmes e não fechada em si, o ódio tem menos espaço, ou se não é assim, pelo menos a sua manifestação gera mais constrangimentos. E quando a solidariedade é mobilizada com fins mais virtuosos, ela se mostra muito eficaz também: Índia, Dinamarca e os judeus, Hippies, Anti-apartheid, Obama X Maccain etc...

    Em outras palavras, não sou Hobbes, nem Rousseau, (nem o Patch se vê assim...aquela passagem em que fala sobre racismo na entrevista deixa isso claro). Acredito que o homem é um animal social em busca de reconhecimento, bom e mau ao mesmo tempo. Agora, o sistema e a forma como está organizada a sociedade enfatiza uma coisa ou outra. quanto a nossa...E a gente está aqui justamente pra quebrar tudo isso, senão nem faríamos o Blog. É lenha!

    Não acredito que Patch faça proselitismo sobre o amor. Talvez o Dalai-Lama o faça. Patch é ação direta em tempo integral...suas propostas e ações geram relações de amor. Convergem solidariedade em ações de amor muito fortes (Olhe os Drs. da Alegria).

    Os médicos americanos vivem respondendo a processos...sabe quantas vezes o Gesuntheit foi processado desde 1968? Nenhuma. O registro das atividades médicas lá é muito frouxa, lembrando que é justamente isso que protege o médico num eventual processo. O ponto é que a relação criada naquele ambiente é algo que produz amor, respeito e confiança...de modo que o paciente sabe que o médico é humano e pode errar. Seu Instituto atende cerca de 20.000 pessoas por ano.E existe uma lista de mais de 2.000 enfermeiras e médicos querendo trabalhar com amor lá.

    Temos que criar um câncer nessa sociedade que destroi os laços e os substitui pela frieza da política burocrática...que induz ao ódio. E será por meio da resignificação do trabalho, cooperativism, autogestão que isso se dará. Se não podemos deixar de lado a Real Politik, em boa medidade devemos ignorá-la!

    Não devemos esperar "messias", sob o risco de optarmos pelo ódio. O libertariasnimo é uma luta, num certo sentido,anti política!

    Ou seja, fodam-se as tendências desagregadoras e vamos procurar construir uma ética do amor. Isso não é impossível nem utópico...fazemos isso todos os dias com os nossos amigos e família...o único espaço que dispões de uma autonomia mais ampla. A estratégia é ampliar o raio dessa prática.

    Desculpem pelo tamanho do comentário...

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  8. Queridos amigos,
    Fui citado na brilhante explanação do Márcio e só agora fiquei sabendo disso... Sim, sim, a "natureza humana". Sem querer cair em convencionalismos imutáveis e essencialistas, acho que podemos discorrer um pouco sobre isso sim. Como o Rajão e o Marcião argumentaram bem, Patch é pura ação no cotidiano! Quer ação melhor que essa nesse contexto tão desfavorável como no século XXI? Ignorar o amor, Davi Oli? Como?? Tudo bem que é construção social de um tempo e, na nossa historicidade, porque não cultivá-lo? Soa brega? É apolítico? Não, acho que não... Como lembrou o Márcio, dá um trabalho danado e não podemos esperar nada em troca. Aliás, seria essa uma das premissas anarqistas? Fazer algo e não esperar um retorno do outro? Desculpa a minha ignorância...

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