sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Lançamento da "Outra Campanha Brasil"


Convidamos todas as pessoas, organizadas ou não em movimentos sociais e coletivos, a participarem do lançamento e da construção da "Outra Campanha" em São Paulo.

Espçao Ay Carmela! Dia 19-09-2010

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quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A Outra Campanha - Brasil


A Outra Campanha é uma articulação aberta aos grupos, movimentos e companheiros/as interessados/as em construir uma outra forma de fazer política, com base no protagonismo e na luta popular. É na luta e na organização popular que se cria o poder popular, que fazemos valer nossos direitos e arrancamos das elites políticas e econômicas as conquistas.A Outra Campanha Brasil é inspirada em "La Otra Campaña" organizada pelos zapatistas.

Aproxima-se mais um período de eleições onde toda a população é chamada para votar. Todos nós já estamos fartos de tantas promessas, mentiras e escândalos de corrupção. Além disto, o modelo representativo não resolve, mas agrava nossos problemas, subordinando as decisões políticas ao crivo de supostos especialistas. Quando escolhemos atuar dentro da esfera parlamentar, adequamos a luta dos movimentos sociais a legalidade burguesa, que apenas mantém e conserva toda a situação de miséria e opressão de nosso povo! A ação parlamentar não pode ser vista como "complementar" a ação dos movimentos sociais, mas sim como sua antítese, seu freio, a oposição completa e absoluta da democracia direta e da autonomia da luta.

"Queremos que a responsabilidade do governo não seja exclusiva de um grupo, que não haja “dirigentes profissionais”, que o maior número possível possa fazer o aprendizado" (Subcomandante Marcos)

- Outra campanha, para convocar a luta e a organização popular, não para pedir votos, é o trabalho que nos mobiliza para fazer política. Porque a política não é assunto só para especialistas ou representantes.

- Outra campanha para lutar por um programa de emergência que atenda as necessidades do povo e enfrente os problemas sociais mais graves da cidade. Para recuperar a dignidade do que sofre na vida o preço da promessa não cumprida, pois somente a ação direta dos de baixo contra os que oprimem é capaz de fazer justiça.

- Outra campanha para construir um povo forte, para organizar os desorganizados, para unir os movimentos sociais que lutam, para fazer política com as próprias mãos com independência do governo, do partido e do patrão, pela decisão das assembléias e da luta popular em unidade.

- Outra campanha para dar voz a quem não é deixado falar, para construir participação popular onde o poder faz exclusão, para criar capacidade política pelos lugares de trabalho, estudo, moradia, pela cultura e os meios de comunicação comunitários.

- Outra campanha para construir poder popular, pra acumular forças com democracia de base e tomar de volta a política dos corruptos, das oligarquias e dos grupos dominantes do poder.

Links de Organizações que aderiram à "Outra Campanha":

Outra Campanha Brasil
Organização Popular – Rio de Janeiro
OPA – São Paulo
Coletivo Quilombo - Bahia
Resistência Popular - Alagoas
Resistência Popular – Rio Grande do Sul

Baixe aqui a Cartilha e saiba como participar da Outra Campanha Brasil

Saúde e Anarquia pra Todos!

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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Tentações Totalitárias


Merda à vista!

O anúncio do acordo entre a Google e a Verizon, na semana passada, abre espaço para a derrocada da internet como conhecemos. Isso se daria pelo fim da neutralidade das buscas e serviços na rede – através de um sistema que teria a capacidade de priorizar “um” ou “outro” tipo de tráfego segundo critérios como velocidade entre outros escusos. Desse modo, seriam criados dois espaços virtuais: o ‘Público’ e os ‘Serviços Online Adicionais’. Basicamente, estamos falando de um plano de Privatização da Net.

Atividades tidas como lentas, então, poderiam ser barradas: Torrent é o melhor exemplo disso. Isso consistiria num revés fortíssimo ao caráter libertário do fluxo de informações na Web, de modo a transformá-la numa máquina de propaganda e de veiculação do politicamente correto tão, ou mais, eficiente se comparado ao que se transformou a televisão.

Esse acordo ainda tem que ser analisado e liberado pelo Estado americano. Só uma pressão vinda de todos os lados poderia barrar uma putaria como essa, que acabaria implementando o princípio mercadológico num dos espaços mais ricos e libertários por onde ainda se faz uma cócega ao sistema.

E nós anarquistas e libertários? Vamos assistir mais uma vez? Seremos um dos principais
afetados.

Mais informações aqui, aqui e aqui.

Saúde e Anarquia pra Todos!

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Mais Democracia Nunca é Ruim


Dando continuidade às questões que vêm sendo levantadas nos últimos textos, gostaria de aprofundar o ponto relativo à estratégia, ou melhor, tentar perceber a estratégia como um fim em si mesmo. Isso vale para discutirmos as inflexões dos movimentos libertários reais e virtuais, procurando encontrar elementos teóricos que possibilitem um fortalecimento da autonomia nos dias atuais. Esse post também procura por em debate uma possível realocação das esperanças libertárias.

Penso que um dos erros centrais das esquerdas – não todas –, bem como de algumas direitas, no passado, seria ver a democracia como inimiga a ser combatida. No caso dos anarquistas, é um erro analisar a democracia e os estados modernos apenas na chave de uma burocracia que detém o poder e nos oprime. Essa visão faz muito sentido se analisada frente aos séculos XVIII, XIX e parte do XX – e olhe lá! É bastante coerente, também, com leituras automáticas da realidade feitas a partir de certa filosofia pós-estruturalista – alguns falam até em “campos de concentração a céu aberto” ao definirem a atual conjuntura.

Certas críticas pós-modernas chegam afirmar que não há diferenças significativas entre democracia e totalitarismo, estando presente, em ambos os casos, todo um aparelho repressivo de disciplinarização dos corpos e mentes. Já ouvi também, da boca de muitos autodenominados anarquistas e/ou libertários, que viver sob uma ditadura não seria muito pior do que sob o regime em que vivemos agora, e até, dependendo do caso, a situação seria melhor. Minha percepção sobre isso se encerra em algumas poucas possibilidades, de modo que pessoas que afirmam tais calamidades: ou estão filosofando de dentro dos seus confortáveis gabinetes climatizados, ou são pseudo-intelectuais que vivem em apartamentos caros, ou, ainda, são retardados obcecados por uma doutrina política engessada há mais de um século.

Na vida real, entretanto, a participação política tem espaços para ir muito além do princípio da representatividade, e a vida social não chega a ser tão sufocantemente controlada. Felizmente, ou infelizmente para alguns, ainda não vivemos como mostraram alguns filmes distópicos da década de 80/90. A veiculação desse tipo de interpretação da realidade só nos traz medo, imobilismo ou, no máximo, pretensões de redenção através de banhos de sangue, espontaneísmos heróicos ou coisas do gênero.

Não devemos lutar contra a democracia. Por duas razões básicas: em primeiro lugar, é ridícula a leitura que mostra Democracia e Capitalismo como sinônimos ou coisas que só existem quando acompanhadas uma da outra. Em segundo, é igualmente reducionista criticar as “democracias reais” da atualidade encerrando a discussão em torno da questão da representação, dos partidos, do aparelhamento e toda essa dimensão em que, muitas vezes, costuma-se fechar a crítica libertária sobre o assunto.

Nossa postura deveria caminhar na direção contrária, procurando aprofundar, radicalizar – no sentido de ir às raízes mesmo – os atuais regimes democráticos, buscando uma democracia cada vez mais palpável, pra não dizer Direta. Nesse sentido, me irrita a completa falta de compromisso dos anarquistas em geral em ignorar solenemente temas como Reforma Política, Reforma do Judiciário ou a questão do voto obrigatório – no caso do Brasil. Partindo do pressuposto que o Estado deva ser destruído por se constituir no ‘Grande’ empecilho à liberdade dos povos, ficam de lado elementos centrais para a construção de uma pedagogia da autonomia, bem como de uma prática da liberdade, que seriam fundamentais para resgatar, e redefinir, nossas esperanças e espaços de manobra política.

Quer queiram, ou não, a Democracia está aí, foi uma conquista que sacrificou a muitos: incompleta, indireta, xôxa, simulada ou não, e se é aplicável a todos os lugares, é algo que só cada sociedade poderá responder. O ponto fundamental é sabermos que a vida em democracia é sempre incompleta, de modo que nos resta não destruir o que existe para começar do zero, mas sim radicalizar, investindo na ação direta (se pacífica ou não, creio que isso depende de cada circunstância), nos aliando aos mais variados grupos e tendências (variando, também, conforme o contexto e guardando o devido bom senso, claro), enfim, construindo uma Democracia Direta, que dê espaço para a “inventividade”. E quando falo de Democracia Direta, não penso, necessariamente, no fim das burocracias estatais – mas sim num processo de crescente horizontalização das tomadas de decisão das mais diversas naturezas – o resto é conseqüência.

O neoliberalismo, essa doutrina que inocula a tudo a lógica do mercado, vem instrumentalizando e corroendo a Democracia, de modo que deve ser combatido duramente com mais Democracia. Sou muito resistente a análises puramente conceituais, de modo que afirmações do tipo “A existência do Estado pressupõe miséria”, sugerem uma profunda alienação em relação à vida real em favor de análises puramente filosóficas que não vão além do papel. Isso me leva a crer que determinados setores de autoridade do estado devam ser restituídos, sob a pena de, daqui a pouco, nos convertermos em súditos de meia dúzia de transnacionais que, estas sim, não possuem absolutamente nada de democrático nas suas constituições e funcionamento. E a isto, nós anarquistas, estamos apenas assistindo de camarote.

Por obsessão com a utopia libertária, os anarquistas, ironicamente, têm a deixado de lado. Em recente entrevista, o professor Edson Passetti afirma sobre os anarquistas do XIX/XX: “Eram mutualistas e federalistas. Por isso mesmo, a possibilidade da utopia anarquista acontecia, diariamente, por meio de atividades produtivas, educativas, culturais e de rompimento com os costumes burgueses relativos, principalmente, a formação da família, relações amorosas, alimentação, e maneiras de educar uma criança. Inventavam uma vida livre no presente e, com isso, elaboravam uma nova moral da igualdade e da liberdade, baseadas na ação direta (...) e no rompimento com o princípio da representação.” No entanto, os anarquistas de hoje não têm conseguido dar conta de criar esses espaços ao ficar apenas no nível do denuncismo, bem como na falta de uma integração de suas iniciativas à vida cotidiana, para além de grupelhos de fim de semana e sites na internet.

Adotando esses princípios, temos que atuar, hoje, em dimensões antes tidas como convencionais, e que agora se postam como centrais na construção de uma realidade mais democrática. Nesse sentido, penso na questão do ‘Trabalho’, já bastante discutido aqui no C.I.S.C.O.: é dever da prática anarquistas/libertária agir no sentido de re-significar essa noção. Isso se daria por meio da mobilização em diferentes correntes: defesa dos direitos trabalhistas (apesar das várias críticas que podemos tecer sobre estes, considero que ainda é melhor do que nada, como pretendem muitos hoje), associações de desempregados visando constituição de redes de economia solidária e cooperativas, fortalecimento dos movimentos sociais que pressionam os Estados no sentido de aumentar a participação popular nas decisões da política econômica entre outras áreas, incentivo ao municipalismo, libertário ou não, etc.

Penso que, por esse caminho, fica mais clara uma saída para a difícil tarefa de unir local e global sem, no entanto, cair nas falácias do localismo estremado ou, por outro lado, permanecer nas nuvens esperando por uma hegemonia que nunca vem. Lembrando que, no entanto, todas as frentes de luta são válidas.

A despeito disso, muitos se perguntam sobre a questão da ‘passividade’ de grande parte das pessoas. E concordo que esse seja um ponto fulcral para se pensar os movimentos sociais e a democracia atualmente. Apesar dos absurdos que constatamos diariamente, porque a falta de envolvimento geral com as questões de natureza pública? No próximo post tentarei fazer algumas reflexões sobre o assunto.

*-*-*

PS: A produção desse texto contou com inspiração, entre outras fontes, dessa entrevista do Prof. Edson Passetti. Apropriei-me de alguns conceitos e análises, no entanto certas opiniões encontraram caminhos divergentes.

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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O que fazer (2)?

Viaduto na Av. Amazonas (Belo Horizonte/MG).













Sempre que passava por aquele local via pessoas alojadas sob o viaduto. A estrutura criava um vão que permitia a organização de fogueiras, fogões, dormitórios e outros pequenos improvisos.

O viaduto fica em um local desabitado, não há residências, apenas oficinas mecânicas e uma pista para moto-escola. A pobreza ficava convenientemente escondida.

Algumas semanas fora e ao retornar vejo que os freqüentadores foram retirados ou expulsos. O salão sob o viaduto recebeu um preenchimento de terra, um modo de impedir que os sem-teto retornassem.










Época interessante a que vivemos, os viadutos podem dar abrigo aos automóveis, mas não aos despossuídos. Houve a extinção de um espaço de uso coletivo – uma apropriação precária – como recusa em reconhecer a existência da pobreza.

Preferimos os carros aos seres humanos. O local não tem visibilidade (o que não justifica sequer as políticas de higienização), mas parece haver uma intenção deliberada de tornar a cidade cada vez mais inóspita aos expropriados.

As placas e as formas “legítimas” de ocupação do espaço visto nas fotografias trazem uma mensagem clara:

Preferimos os carros às pessoas, vocês não são bem-vindos”.










[FOTOS: Belo Horizonte (MG), agosto de 2010, por El Luchador Mysterioso]

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domingo, 15 de agosto de 2010

Instrumentalização de métodos para uma praxe anticapitalista

O presente texto faz parte de um esforço de reflexão que, entre outros componentes, objetiva um esclarecimento quanto possibilidades de resistência às poderosas tendências hegemônicas da contemporaneidade. Embora os cenários que nos circundam se aparentam bastante sombrios, há espaço para avaliações não derrotistas.

As principais propostas de resistência evocadas por grupos de tendências anarquistas ou socialistas parecem padecer de um mesmo mal, ou são míopes quanto as condições mentais e espirituais dos tempos em voga ou se perdem em bairrismos e especializações contraproducentes. De um lado há aqueles que querem atuar nos moldes dos levantes políticos do século XIX e da primeira metade do século XX: ou esperam uma revolução orquestrada por uma vanguarda mega-consciente de sua importância no devir histórico ou um levante espontâneo, pronto a varrer todos os ditames da opressão (desse modo despolitizando a própria ação política). Do outro lado, vemos grupos que desistiram das atuações holísticas, universalistas e engatadoras, suas atuações pautam-se por um imediatismo e localismo: freeganistas, ciclistas, vegans, web-ativistas etc.

Bem, os primeiros não valem maiores comentários – houve momentos nos quais o socialismo e o anarquismo em moldes clássicos eram possibilidades concretas. Porém esse tempo já passou e, idealizações românticas a parte, não há porque insistirmos em uma rememoração acrítica dessas experiências. Os grupos localistas merecem uma análise mais pormenorizada, tendem a conseguir integrantes para suas bandeiras com causas concretas e que atravessam o cotidiano dos grandes centros urbanos.

Os ciclo-ativistas e os freeganistas exemplificam essas correntes, a recusa ao automóvel e à sociedade de consumo, a busca por uma mobilidade e o direito ao usufruto dos excedentes conscientemente descartados. Ambos questionam valores da sociedade capitalista e, em um nível mínimo que seja, apresentam soluções para os problemas que apontam. No entanto o potencial do capital em absorver contestações é impressionante, a sua versatilidade só merece elogios, já que as crises e as dificuldades são importantes momentos para sua reinvenção.

Quando todas as vias estiverem abarrotadas de automóveis e estes veículos perderem a áurea que os cercam, os publicitários não pensarão duas vezes em elevar a bicicleta ao patamar de novo símbolo de status e desejo de consumo. Isso em nada interferirá no sistema do capital. O mesmo pode ser dito sobre as ocupações de prédios abandonados, a especulação imobiliária ainda tem larga faixa para explorar e os invasores não serão vistos como usurpadores, mas sim como futuros clientes a serem assimilados. Mesmo os que fogem à sociedade de consumo não estão ilesos, o exército de consumidores na ativa possibilita a manutenção de uma divisão na reserva.

Estou cético quanto aos movimentos contestatórios em moldes localistas que proliferam no cenário urbano e que não buscam vínculos com um eixo global. Avanço essa reflexão com a ideia de que as grandes cidades não são propícias para a prática anarquista. As práticas libertárias antes de se manifestarem como ação política se constituem em um fundo ideológico, cultural e subjetivo. Os moradores da cidade encontram-se dependentes da ação regulatória do Estado, que oferece a (falsa) sensação de segurança e normalidade, mesmo que em níveis precários. O controle da ordem, a iluminação pública, a limpeza urbana, o fluxo do trânsito e a gestão de outros serviços essenciais integram o rol das prerrogativas do Estado e de unidades jurídico-institucionais ou jurídico-particulares de poder.

As comunidades não compreenderiam facilmente a tese de uma falência do Estado como pré-requisito para uma vida cívica mais completa. Explica-se as dificuldades do anarquismo na cidade, a noção de um Estado protetor está internalizada. O próprio marxismo teria maiores facilidades para desenvolver nesses contextos, pois uma ditadura do proletariado é menos distante do que a perspectiva de uma ausência do Estado. Muitos podem ser convencidos de que a vida melhoraria se os oprimidos detivessem o poder e reformassem a ordem social, no entanto a ausência de estruturas de poder aterroriza os habituados com a vida de cativos.

Os movimentos libertários mais consistentes se desenvolveram em regiões rurais (ou de tradições rurais), onde a interiorização das instituições coercitivas limitou-se a superfície, dando ampla margem para a vida comunitária e colaborativa. A tese espontaneísta do anarquismo é verdadeira para cenários nos quais as redes vicinais preponderam, os mutirões são frequentes e a economia moral barra as pressões mais mercantis. Os grandes fazendeiros e as elites locais são associados ao Estado, portanto libertar-se da opressão equivale ao término dos poderes institucionalizados.

Seguindo essa linha de argumentação, aceitaremos a distinção entre campo e cidade como a diferenciação entre a fraca internalização e a forte internalização dos valores de submissão perante o Estado. Com a ausência de um poder estatal em uma megalópole como Nova York, por exemplo, e com a notória dificuldade dos anarquistas em se organizarem adequadamente em momentos críticos – vide a história militar da Guerra Civil Espanhola – não seria muito absurdo supormos que o caos, de fato, prevaleceria nos primeiros momentos (algo passível de se prolongar durante anos ou décadas).

A abordagem municipalista resolve, no nível teórico, esse problema. O movimento de emancipação seria das áreas rurais para os povoados e distritos, dali para as pequenas cidades e, em seguida, para as médias, a adesão dos grandes centros urbanos seria uma consequência final e esperada. O esfacelamento do Estado, no entanto, só se viabilizaria em conjunto com o desmoronamento do capital. Uma confiança nutrida no municipalismo não deve subestimar as habilidades dos sistemas piramidais do poder em eliminar os focos realmente ameaçadores.

Conforme dito anteriormente, neste texto e em outros posts, a ausência de uma articulação global de questionamento às forças hegemônicas pode reduzir uma promissora estratégia a um ato inócuo. Ao contrário do que se pensa, o Estado subserviente ao capitalismo é relativamente tolerante, e dentro de uma racionalidade do custo-benefício sempre se pergunta se vale o desgaste de coibir determinada expressão. Mas de modo algum há negligência quando as contestações atingem determinadas dimensões. Nesse sentido, uma das mais importantes dissonâncias à ortodoxia liberal-capitalista vive no EZLN, em Chiapas, e não obstante todo o seu potencial fabuloso, tal experiência não serve eficazmente como modelo de ação para outras regiões do mundo. Só a tradição política mexicana, com suas revoluções, sua rebeldia camponesa e seu cripto-anarquismo explicam esse novo projeto de mundo, infelizmente geograficamente muito restrito se comparado à onipresença do capital.

O anti-consumismo pode até fundamentar ideologicamente uma ação, e o municipalismo colocá-la taticamente em movimento, mas falta a estratégia engajadora e aliciadora. Algo que será encontrado na causa ecológica, o desafio mais poderoso ao capitalismo contemporâneo. Cada época forja as armas que serão utilizadas para sua derrocada – todos nós sabemos a quem pertence essa ideia – e o atual sistema de produção não foge a regra.

As atuais articulações corporativas para a defesa do meio ambiente são fracassadas e insinceras, mas têm cumprido o seu papel em conquistar novos adeptos para o capitalismo verde. Fala-se em preservação, em responsabilidade ambiental, em tecnologias não agressoras ao bioma. Entre o discurso e a prática vai uma larga distância, mas os empresários não podem mais minimizar as questões ambientais, pelo contrário, elevaram-nas ao patamar de importância máxima, tanto que já há uma especulação financeira na qual se vende o direito de poluir. O mercado de carbonos não é piada, mas a materialização das contradições do capitalismo,entre sua nova promessa preservacionista e seu conhecido afã predatório.

Muitas pessoas estão suscetíveis a essa mensagem, os lugares comuns sobre a defesa da vida esconde um processo de destruição sem precedentes que está em curso. Manutenção de reservas, reciclagem, compensações pelo desmatamento, uma encenação que aplaca os remorsos das classes médias. Todo modo, eis um compromisso que o Estado e o capital assinaram e que não podem voltar atrás impunemente. Além disso, o iluminismo trouxe a entronização definitiva do homem como entidade ética, este se tornou por sua racionalidade um ser superior. Em contrapartida a natureza despolitizou-se, realçada a condição de reserva das vontades humanas. No século XIX se viu uma romantização do natural em contraponto a leitura da civilização como o progresso. Uma das consequências desse processo é que se pode defender as causas ambientais tratando-as como se não consistissem em problemas políticos.

As corporações usam desse engodo: o manejo de animais ou a derrubada de árvores constitui-se tecnicidades, desligadas de qualquer decisão política – impassíveis e imparciais. As mineradoras promovem grandes atentados à vida não porque querem, mas por questão da ordem e método.

As corporações têm fiado as próprias cordas com que vão se enfocar. A intensificação da defesa ao meio ambiente poderá se fantasiar, por sua vez, em uma questão meramente técnica. Um discurso eficaz para convencer a opinião pública, enquanto nos subterrâneos da resistência surgem os verdadeiros amparos para as contestações radicalizadas. Não podemos negar que os tempos são de conservadorismo generalizado e não há nada que o homem mais deteste do que o próprio homem. O projeto sombrio que se materializou teve eficácia em destruir um sentimento de público e pertencimento, todavia a defesa ecológica incrivelmente não se associa a proteção dos oprimidos.

Uma ONG que propõe proteger grevistas do Terceiro Mundo não conquistará muitos simpatizantes, as suas bandeiras vermelhas ou negras são incômodas; também não aparecerão nas mídias oligopolizadas e tão pouco contarão com o apoio de celebridades. Uma ONG que proteja baleias receberá uma repercussão diferente, o verde não postula uma necessária recusa à propriedade e tende a angariar maior simpatia do público. Os movimentos ecológicos conformistas ou moderados poderão ser os escudos para o movimento verde realmente libertário e que reconhece que a salvação do homem implica na inequívoca desestruturação do modo de produção vigente.

No século XXI as pretensões não podem se apequenar, defender a vida no planeta significa o confronto com o capitalismo. A mentalidade preservacionista – nesse momento insignificante – poderá respaldar sentimentos coletivamente compartilhados de identificação com o “natural”. O que agora é cabotino tenderá em ser sincero. No advento da Idade Moderna, os burgueses detinham pensamentos vanguardistas no que concerniam ao comércio e ao lucro, e não com poucas artimanhas conseguiram universalizar tal modo de pensar. Eis o modus operandi que devemos seguir.

Uma boa estratégia é incentivar pequenas frentes locais e regionais, mas dentro de um discurso salvacionista global. A recusa em ter seu entorno, sua morada e suas reservas agredidas por um insano esquema de extração de riquezas pode suscitar vínculos mais sistêmicos. Uma geografia da poluição e uma história das corporações são coordenadas valiosas que dizem respeito mesmo aos mais indiferentes.

O que será retomado nos posts seguintes diz respeito à atuação dos libertários em dois níveis, convencimento e embate. Grupos moderados e com palavras confortantes que adquirem crescente projeção perante a opinião pública, preparando terreno para as tendências radicais e confrontadoras. As duas vertentes se encontram já que há uma retro-alimentação. Espera-se que uma crescente demanda da população por ações “verdes” tenha impacto nos Estados de regime dito democráticos e assim aumente a pressão sobre as corporações.

Vislumbra-se três elementos importantes nas lutas sócio-ecológicas do século XXI. O incentivo à cultura do gratismo – importante nos centros urbanos, que não são produtores, mas consumidores. A atuação em níveis locais/regionais/municipais descentralizando os combates mas tendo como eixo global a perspectiva salvífica da vida. A ênfase na defesa ambiental como estratégia principal em função do seu potencial mobilizador e de convencimento em diferentes níveis sociais e países.

Aqui se tem o início de uma agenda que devemos discutir.

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sábado, 14 de agosto de 2010

Esboços para um pensamento sobre a pirataria



Importa os esforços para a elaboração de um pensamento libertário sobre a pirataria, e com isso apresentamos algumas problemáticas relativas à sua prática. Em uma primeira acepção, a pirataria tende a se conceituar como um ato de interferência em processos produtivos já estruturados visando à apropriação de bens, ícones, imagens e a instrumentalização de fetiches direcionados para o lucro de terceiros, completamente desvinculados dos produtores e proponentes originais.

A imagem clássica é aquela do pirata de olho de vidro e perna de pau que pilha navios e leva a insegurança aos mares, um bandido e fora da lei que atrapalha o fluxo econômico natural. Essa visão estereotipada é comum nas representações cinematográficas e nos livros de história relativos ao período das navegações compreendidos entre os séculos XVI ao XVIII. Os estudos tradicionais sobre o tema apontam, inclusive, que na Antiguidade uma das primeiras formas de comércio (na verdade a menos evoluída) teria sido a pirataria.

Trata-se de uma elaboração do pirata como um sequioso de riquezas que coloca em risco a própria espontaneidade e racionalidade do comércio – ao invés das trocas, a opção feita é pela pura e simples pilhagem. Quando chegamos a Era dos Estados Nacionais, com as políticas mercantilistas e metalistas das monarquias européias, observa-se uma intensificação das atividades piratas. Cabe uma distinção entre o pirata e o corsário, pois este último age em nome do rei, com uma carta que o autoriza a abordar e a tomar as riquezas dos navios das nações rivais.

Não é o “roubo” em si que gera pirataria, mas sim quais os agentes envolvidos no processo de rapinagem. Disputas entre os Estados Nacionais faziam parte da política internacional, sem abalar as economias capitalistas então em gestação. O corsário estava a serviço de uma poder piramidal, um estado coletor de metais dirigido por uma realeza interessada em consolidar seu mando. Já o pirata atuava como o desajustado, aquele incapaz de seguir “o modo natural de se fazer as coisas”. Nesse sentido, nossa primeira constatação enfatiza a natureza desordeira e anti-estatal do pirata. Ele não espera seguir a lei ou ser subserviente ao seu rei.

Que ninguém se engane em pensar que esse pirata dos setes mares seja o protótipo de um anarquista; não, ele também faz parte das engrenagens do capitalismo em seu viés mais parasitário. No entanto, sua atuação representava um ruído ou distúrbio, interferência na lucratividade dos detentores do poder econômico e político. Apresentamos uma segunda ponderação: a pirataria da Idade Moderna se consistiu na atuação de expropriadores particulares rapinando grandes expropriadores. Os países que mais sofreram as ações dos piratas foram as monarquias ibéricas, que por sua vez moviam uma vertiginosa exploração das riquezas na América.

O dito “ladrão que rouba ladrão” é a melhor simplificação da noção de pirataria. A hipótese apresentada sugere que em momentos históricos de extrema expropriação de bens coletivos, agentes individuais (não necessariamente visando o bem público) interferirão nesse roubo, com maior ou menor sucesso. Piratas franceses atacavam navios espanhóis ou portugueses, que por sua vez haviam retirado riquezas das terras americanas.

Essas reflexões nos oferecem um paradigma para a leitura da pirataria, sinteticamente estruturada em três princípios:

1. O pirata é contra a ordem, não por uma vocação ideológica, mas em busca do benefício próprio.

2. A pirataria é a apropriação de uma apropriação prévia.

3. A pirataria é uma resposta a momentos históricos no qual abundam os roubos orquestrados por grandes centros de poder e inexistem canais ou forças com eficácia para impedir essas expropriações.

Nesses parâmetros, a atitude do pirata é egoística, mas suas implicações tendem a ser libertárias. O pirata trás a tona a opressão do Estado e, inconscientemente, questiona suas pretensões de controle. Quando criança, lembro que em meu passeio pelo parque, chamava atenção as vendedoras de maçã do amor. Eram maçãs muito bonitas, caramelizadas e cobertas de granulados coloridos. Mas essas vendedoras tinham que fugir dos fiscais municipais, ou seus produtos seriam aprendidos. Eu não conseguia entender como a venda de maçãs podia ser irregular.

Aquelas mulheres eram piratas, pois questionavam e usurpavam as prerrogativas do Estado: “A minha maçã eu vendo para quem eu quiser, aonde eu quiser e como eu quiser”. Intencionavam o lucro, mas desafiavam uma esfera de poder que se julgava no direito de dar a licença a uma barraca e negá-la a uma ambulante.

Portanto, em nossa tentativa de compreender os reais significados da pirataria vamos encontrar uma verdade que não pode ser tangenciada: os piratas são fracos. Jamais enfrentarão frontalmente os conglomerados de poder – as principais armas piratas são o anonimato, as ações subterrâneas e as fugas. Não vale a pena insistirmos na romantização do pirata, ele esconde hoje para escapar amanhã.

A atual pirataria somente não foi extinta pelos grandes centros do poder (tal como aconteceu com os piratas dos mares no século XIX) porque ela se encontra muito disseminada e pulverizada. Existe também uma modalidade contemporânea – talvez erroneamente chamada de pirataria – que promove uma apropriação dos bens pertencentes aos detentores de capitais sem visar lucro particularizado e expressando intencionalidades políticas. Questionamentos ao capitalismo e ao consumismo integram as agendas dos partidos piratas europeus, mas estamos diante da utilização de uma imagem dos bucaneiros da Era Moderna discrepante de suas reais vocações.

Disponibilizar arquivos MP3 em um site não equivale a venda de DVDs na Rua Augusta. As intenções diferenciam essas duas práticas, não obstante ambas serem tidas como pirataria. Na verdade, são justamente os piratas confessos os mais vulneráveis aos ataques, porque se esquecem de manter a condição básica de foras da lei: anonimato e enfrentamento indireto. Nos últimos meses, vários canais que compartilhavam filmes, livros, músicas e jogos saíram da rede, em ações coordenadas por associações de Direitos Autorais. Esses piratas convictos são alvos fáceis e a confusão feita no nível teórico certamente pode significar uma derrota definitiva.

A crença de que o compartilhamento de arquivos na rede é invencível carrega um otimismo perigoso. O Estado (demorando mais ou menos tempo) sempre logrou em infligir sérios danos aos seus questionadores. Essa pirataria heróica e voluntária não tem encontrado condições (contexto) favorecedoras para a expansão. Nesse exato momento os conglomerados de poder estudam mecanismos para extirpá-la em definitivo. Creditar o sucesso desses web-bucaneiros às novas ferramentas informacionais sugere uma tecnofilia ingênua.

O presente ensaio diferencia a pirataria clássica da pirataria heróica e politizada, apostando em uma possibilidade maior de sucesso da primeira forma. Isto porque a pirataria é inerente às fases mais selvagens e canibalescas do capitalismo, não representam em nenhuma medida um caminho para a superação do status quo. Antes, reforçam a busca pelo consumo por todos os meios disponíveis.

Como força de antagonização ao capital, a pirataria deve evoluir para formas mais consistentes, deixando de se focar exclusivamente na bandeira da “livre distribuição” e enfatizar a “livre produção”. A obsessão em adquirir os bens expropriados e acumulados pelos conglomerados de poder minimiza os potenciais rebeldes desses novos piratas. Um questionamento mais profundo traria a tona a problematização da indústria cultural e da devoção excessiva aos cânones culturais ocidentais, bem como uma crítica à voracidade insaciável pelo consumo de imagens.

A pirataria contribui para a causa libertária, mas sua importância não pode ser exagerada sob pena da obliteração de ações políticas mais articuladas voltadas para o ataque ao Estado e às formas vigentes de produção e apropriação.

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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

É Possível a Anarquia?


Gostaria de fazer algumas reflexões dispersas sobre o anarquismo como movimento social e político. Creio que devo repetir umas coisas e entrar em contradição com outras que já postei aqui, mas que se dane a coerência. Tenho a mente aberta o bastante pra não acreditar em doutrinas ou me enfurnar em orgulhos ideológicos que me impeçam de mudar de postura. Enfim, inveredemo-nos pelas trilhas dessa magnifica área do conhecimento, que é a união da ciência, da intuição e de nossos desejos contraditórios: o “Achismo”.

Historicamente o anarquismo comportou, e ainda comporta, dezenas de adjetivos mas, hoje em dia, penso que ele pode ser visto sob duas grandes perspectivas: o anarquismo tradicional e o dito pós-anarquismo, ou anarquismo pós-estruturalista como preferem alguns.

Não vou gastar tempo falando de um e de outro, mas só puxar pela memória os pontos que justificam e explicam essas duas perspectivas. Basicamente, o chamado anarquismo tradicional se fundamenta em princípios substancialistas e “bem definidos”: classe, sindicato, proletários, hegemonia, capitalismo, estrutura, liberdade (solidamente definida) etc. Vivia-se, ou vivi-se, para alguns, em tempos de harmonia conceitual: tínhamos os inimigos: Estado (burocracia) e Capital (burguesia), e os aliados: classe operária – bastava esperar o dia do grande choque para que vivéssemos no paraíso. Ele nunca veio: nem o grande choque, nem o paraíso.

Pelo lado do pós-anarquismo vemos a prevalência de princípios relativos, advogados com maior força após a crise do estruturalismo epistemológico e, socialmente falando, após o fim da Guerra Fria e o advento da globalização e da dita Sociedade em Rede. Conceitos até então muito bem estabelecidos e que tudo explicavam deixaram, de repente, de ter sentido ou servir de instrumento útil para cientistas, políticos e movimentos sociais. Vieram os tempos da fragmentação, relativização, do individualismo extremado. Mais ainda, era o fim das classes sócias, da politca tradicional, do trabalho como principal fator identitário, a pulverização das ideologias. Alguns até falaram no fim da sociedade...enfim, era o fim das verdades substanciais.

Mas aí chegamos no ponto crucial: como a filosofia anarquista se portou nesse momento turbulento? No meu entender, muito bem – pelo menos numa tendência. O anarquismo tradicional, por sua vez, se é que ainda existe para além de algumas poucas lideranças, organizações sectárias ou meia dúzia de publicações de pouca expressão, está moribundo e sofre de uma certa esquizofrenia que teima a não passar.

Mas e o lado que melhor se adaptou às novas condições? Nem por isso considero que a coisa vá de vento em popa - já esteve melhor, já contou com um fôlego maior e, aliás, o que me motiva a escrever esse texto é justamente um clima de desânimo que me toma face em relação ao dito pós-anarquismo. Clima esse que vem após momentos de grande esperança em vista das novas possibilidades oferecidas nas duas últimas décadas. Na verdade, creio que “esperanças”, ainda mais “grandes”, também são coisas de um passado próximo mas já remoto. Não há mais espaço para grandes narrativas épicas de salvação.

Na verdade vale a pena perguntar: existe alguém que quer ser salvo ou se salvar de algo? Se existir, é dever de um certo movimento libertário executar essa tarefa? Há espaço pro anarquismo enquan to um movimento que vise conquistar a hegemonia? Ou resta apenas nos contentar com Espaços de Sociabilidade Autônoma, grupelhos de discussão, paraísos virtuais e pequenas iniciativas libertárias dentro da sociedade mais ampla? Há como inserir a filosofia anarquista no âmago da sociedade, ou ela só pode ansiar em conquistar alguns adeptos na perspectiva de mais um “estilo de vida”.

Desde pequeno ouço que a Democracia Moderna é a coisa menos pior que o homem já inventou. E como historiador sei que há inúmeros argumentos pró e contra essa perspectiva. Seria isso uma jogada discursiva quer serve apenas para aceitarmos a situação? Ou há uma parte de, verdade nisso tudo, e apenas a democracia, nas suas tipologias mais tradicionais, pode nos trazer a felicidade e a paz social – mesmo que de forma torta e incompleta?

Vale a pena arriscar? Ou todo esforço não seria mais do que dar murro em ponta de faca? O atual sistema é fechado, pesado, imóvel e, frequentemente, burro...mas, por outro lado, vejo que certas garantias duramente conquistadas no decorrer da história se dão justamente em função dessa complexa máquina de pesos e contrapesos que são os estados democráticos modernos. Sem dúvida é um sistema engenhoso, grandemente limitado, mas que lentamente já mostrou algo de positivo de comparado a tempos passados.

Enfim, esse é só um texto pra pensarmos um pouco fugindo de ortodoxias filosofias e políticas. Sou grande admirador da filosofia libertária, mas cada vez mais sinto que ela se limita muito nessa dimensão. Politicamente temos o dever de sermos pragmáticos e flexiveis...chega de confundir filosofia e política. Isso a democracia moderna já mostrou, melhor do que ninguém, que a fusão das duas áreas sempre acaba em merda – por isso mesmo ela chegou “vitoriosa” até aqui. Dói assumir, mas nossos coletivos libertários só existem porque estão dentro de regimes democráticos.

Creio que a questão central não é sobre as possibilidades da anarquia. Mas sim sobre se ela será ou não desejável. E o que seria essa “nova anarquia”? Lanço aqui estas provocações, na intenção de repensar as esperanças libertárias...

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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Rock e Ecologia

Aqui, uma versão Metal do nosso futuro próximo. Esse é o novo clipe do Disturbed, "Another Way To Die"

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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Sociologia do Shopping Center - II

II – Dos Shoppings de luxo


O padrão nórdico deve preponderar.

Um Shopping de luxo deve, inequivocamente, compor uma ambientação que simule a possibilidade de um Brasil ariano. A mestiçagem não pode sequer ser lembrada. Os seguranças, os faxineiros, os vendedores devem se aproximar tão quanto for possível dos estereótipos da branquitude européia.

Um Shopping de luxo destina-se aos europeus terceiros-mundistas, infelizes em suas condições de párias da civilização branca-ocidental. Narcótico eficaz contra a realidade onipresente das favelas, dos mulatos, das desigualdades e das injustiças históricas. Extensão natural dos condomínios fechados e dos espaços não públicos.

Não há entradas, mas pórticos marmorizados, com singelos e obtusos seguranças de olhares dóceis e subservientes, mas atentos o suficiente para impedir o ingresso dos moleques ousados de feições pouco arianas. Não é um tapete de WELCOME que lhe espera; DO YOU HAVE MONEY? eis a expressão mais apropriada.

Com efeito, um Shopping de luxo leva ao paroxismo a promessa do consumo como potencializador de identidades: os clientes-deuses podem tudo – os assédios morais e sexuais são tão corriqueiros que nem merecem ser citados. Consumidores com semblantes contorcidos, carregados em auto-benevolência intrínseca, criaturas mesquinhas que querem fruir cada prazer disponível e, o mais estranho, fazem questão de pagar por eles. A perversão formidável do consumismo consiste no entendimento de que o gozo deve ser quitado, mas uma vez satisfeita a necessidade (que sequer é uma real necessidade) novas premências se manifestam. Perpetuum mobile do comprar e se extasiar e descartar.

Os antigos mestres-escolas se apiedavam, em suas explanações, da inocência dos indígenas que trocavam pau-brasil por bugigangas. Como esses formidáveis moralistas se posicionariam a respeito das sisudas senhoras-cheias-de-grana-de-boa-família que adquirem liquidificadores ao preço de quatro salários mínimos? Será que os nossos antigos mestres também se revelariam ingênuos para responder – tal qual nossas ilustradas madames ainda argumentam – que se paga pelo design?

Há muito mais sinceridade no posicionamento daqueles que pagam e saem calados, céticos quanto a qualquer viabilidade de auto-justificativa. As bugigangas usadas pelos nativos adornavam seus pescoços e braços, úteis para as danças e festanças do cotidiano, coerente com uma sociedade que fazia da vaidade e do amor pela vida o objetivo máximo. Já um liquidificador ao preço de quatro salários não é um liquidificador, mas sim um semióforo. Prova sua riqueza, mas não esconde sua burrice.

Ou será que nem tanto, já que nos Shoppings de alto luxo os preços seguem outra ordem de grandeza distantes da realidade? Lugar onde os preços usuais são multiplicados por cinco, com exceção dos salários dos vendedores, pois não obstante seus traços arianos, ainda são trabalhadores e merecem a exploração.

Ainda que em um nível mínimo, o Shopping é um espaço que tolera a diversidade, mas em um Shopping de luxo essa possibilidade está excluída. Deve haver uma série de barreiras visíveis e invisíveis que inviabilizem a presença dos populares.

Seus compradores são tão ricos quanto tolos, pois necessitam despender vultuosas quantias para aplacar o vazio do cotidiano e tamponar os receios típicos daqueles que são ilhas endinheiradas em um mar de miséria.

Dignos de pena ou de ódio? Merecem nossa compreensão ou zombaria?

Uma coisa é certa, não fazem parte da solução, consistem em elemento nevrálgico e incontornável do problema. E é nos Shoppings de alto luxo que encontraremos todos reunidos.

III – Dos Shoppings populares
Continua.

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O que fazer (1)?

[FOTO: Cidade de Vitória (ES), maio de 2010, por El Luchador Mysterioso]

A onipresença dos automóveis, essas caixas metálicas feias e sobre rodas, fontes de poluição visual, sonora e atmosférica.

Elemento inerente às paisagens urbanas e rural. Se um elogio pode ser feito a eles é o de que conseguem trazer a tona algumas das piores facetas do ser humano.

O discurso da eficiência, conforto e segurança esconde máquinas de segregação e expropriação. Inimigo intrínseco do coletivo e do público.

Mas o que fazer com os automóveis?

Transformá-los em irreverentes jarros de flores (como querem alguns) ou piras flamejantes vermelho-fusco (como querem outros tantos)?

Enquanto a resposta não chega, que pequenas táticas de sabotagem sejam aplicadas...

Fica a cargo da imaginação de cada um...

Onde eu deixei meu coquetel m******?

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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

DOSSIÊ: Viver em Chiapas


Brigada Europeia de Apoio aos Zapatistas - Diário de uma viagem

Nesta página
, os diários de uma visita de militantes europeus às comunidades zapatistas de Chiapas. Impressivas descrições da vida concreta de milhares de mexicanos que, depois da revolta de 1994, decidiram mudar de vida e construir a autonomia. Veja, a seguir ao pequeno texto de apresentação de um dos viajantes, traduzidos na íntegra, os relatos sobre as oito comunidades visitadas.

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domingo, 13 de junho de 2010

COPA-COLA NÃO COLA! Debate sobre a Praça da Estação e seu uso na Copa 2010



CONTRA O DECRETO 13.961, QUE ALUGA A PRAÇA DA ESTAÇÃO!

Participe do debate sobre o uso da praça e da cidade de Belo Horizonte em tempos de Copa do Mundo.


2ª FEIRA, 14 DE JUNHO ÀS 19H em frente à estrutura montada na Praça da Estação para exibição dos jogos da Copa.


Conheça: pracalivrebh.wordpress.com

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sexta-feira, 7 de maio de 2010

Eventão - Dias 8 e 9 de maio na Praça da Estação




Manifestantes organizam segunda edição do “Eventão”

Movimentação será realizada nos dias 8 e 9 de maio, na Praça da Estação


Dando prosseguimento às manifestações contra o decreto que proíbe eventos na Praça da Estação, manifestantes organizam a segunda edição do Eventão na Praia da Estação neste fim de semana. O evento-protesto será realizado em dois dias.

O protesto contestará, também, a mais recente medida do prefeito Márcio Lacerda, que determina a que a utilização do espaço público da Praça da Estação seja feita após pagamento de taxa de utilização. Tal medida – materializada pelos decretos 13.960 e 13.961 - foi editada na terça-feira, 4 de maio, e promulgada no DOM de 05 de maio.

No sábado, dia 8, haverá o retorno da Praia da Estação, às 10 horas. À uma da tarde, acontecerá a Oficina de Capoeira Angola, seguida por uma roda de capoeira. A Escola de Samba Cidade Jardim também estará presente, com a sua bateria tocando a partir das três da tarde. Fechando a tarde, Carlos Afro & Cia. apresentam um espetáculo de Dança Afrobrasileira. Às 17h, sai o cortejo do flashmob Que Trem É Esse, com a presença do Batuque Santuka.

Já no domingo, após o almoço com as mães, haverá o Boi do Terreiro Santa Isabel, às 15h. Em seguida, bandas do circuito independente de Belo Horizonte também farão sua participação – dentre elas, nomes como Maitê, Tempo Plástico, Grupo Porco & Retrigger e Dead Lover’s. Diretamente do Pará, haverá a participação especial de Juca Culatra & Power Trio.

Além dessa programação, todos que desejarem realizar intervenções são bem-vindos. Todos estão convocados a participar. Mais informações nos links www.pracalivrebh.wordpress.com e www.eventao.wikispaces.com

* Trecho do release de divulgação do 2º Eventão

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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Sobre Corpos I



um (possível) começo



Os corpos falam, os corpos se comunicam. Quando o contato entre eles é tenso, podem fazer circular mais sangue nas faces, fazer com que os corações inflem num ritmo acelerado, fazer subir a pressão interna, enfim. Quando, ao contrário, o encontro constrói uma atmosfera harmônica, os corpos podem liberar hormônios excitantes, estimulantes e podem experimentar uma serenidade. Em ambos os casos, os corpos podem querer explodir.

Todo esse começo talvez não importa muito, mas pode funcionar como uma pequena brasa para fomentar uma discussão sobre os corpos. Corpo e política, corpo e economia, corpo e cultura, corpo e sociedade. Quantos temas não poderiam sair desse início de conversa, que já chega atravessando milhares de anos de bate-papos! Partirei de pequenos pontos para criar o esboço e o início de um diálogo sobre o corpo e as inúmeras facetas (fragmentadas) da vida humana.

O corpo sexuado, tal como conhecemos hoje, é algo relativamente recente. Há poucos anos tornou-se consenso científico (chegando ao senso comum, há pouquíssimos anos) a ideia de que o corpo feminino e masculino são completamente distintos e intransponíveis. Há menos tempo ainda, nasceu, cresceu e fortaleceu-se uma discussão crítica em relação a essa dualidade dos corpos, repensando-a e propondo, não só a observação, mas a valorização da multiplicidade dos corpos humanos. Parece difícil imaginar qual a relação que isso tem com política. Bom, na verdade defendo que a relação com a política é total. O questionamento da dualidade dos corpos, elaborado no contexto das práticas e teorias feministas e queer, veio propor novas aberturas para a ação política de corpos, que antes eram tidos como anômalos, exceções, doentes, deficientes e privados de direitos. Essas propostas consistem também em uma tentativa de refletir sobre os corpos como construções político-culturais, como construções que perduram ao longo de suas próprias existências e não como corpos pré-fabricados. Os debates apresentaram outras perspectivas em relação à formação do sujeito e das subjetividades, que é vista, a partir de então, como um processo contínuo de construção de si, num constante diálogo entre corpo e alma (ou mente, se preferir) e entre si mesmo e os outros.

Se a construção da subjetividade perpassa pela formação ética e moral, se perpassa pela relação que o sujeito em formação mantém consigo mesmo e com o mundo em sua volta, o corpo não poderia escapar dessa construção. E como estamos falando de relações que o corpo mantém consigo e com o mundo, estamos falando de relações de força, de relações políticas, de relações de desejo, de relações de guerra ou de diplomacia. Mesmo as subjetividades virtuais estão sujeitas a isso. Ora, o “corpo virtual” também trava relações (de sensações, sentimentos, estímulos, reações físicas, químicas, sociais, etc) com o “corpo orgânico” e a psiquê, nesse caso, mantém uma relação dupla com esses dois corpos.

Mas, seguindo o raciocínio, não seria somente por se tratar de uma questão ética, que poderíamos classificar a formação do sujeito (sua percepção de si mesmo como um sujeito de alma e corpo) como uma questão política. Os corpos são historicamente marcados pela cultura e tudo aquilo que os circundam - as ruas, os gestos, os olhares, os toques, os adornos, etc - fazem parte de sua formação. 'O automóvel, como um espartilho, também os molda e os conforma a um modelo postural. É um instrumento ortopédico. Os alimentos selecionados por tradições e vendidos nos mercados de uma sociedade modelam os corpos mediante a nutrição; impõem-lhes uma forma e um tônus que têm valor de uma carteira de identidade.' Os diferentes tipos de estimulantes ingeridos como o café, o aminoácido, as pílulas para dormir, o Biotônico Fontoura, os complexos de vitaminas, ou aqueles consumidos pelo desejo como as imagens e representações de saúde, eficácia, glória, felicidade, liberdade, assim como os óculos, as vestimentas, o cigarro, a música, o cinema, a indústria pornográfica, as imagens e os impressos em geral, entre outros materiais cotidianos, refazem e reconstroem, à sua maneira, o físico das pessoas.

No contexto de desenvolvimento do capitalismo, dos séculos XIX e XX, foram construídas representações sobre a vida e sobre o corpo, que ainda são caras entre nós. A velocidade, a maquinaria, a eficiência de produção e a disseminação de informações foram sustentadas por um sem-número de aparelhos disciplinares que procuravam corrigir os corpos para que eles pudessem existir sob a única forma historicamente possível: a da glória do progresso, do sucesso. Porém, seria demasiado inocente pensar que a disciplina procurou conformar os corpos em um padrão único de vitória, beleza e sucesso. Os códigos criados são consumidos, digeridos e transformados cotidianamente e os aparelhos disciplinares aprenderam a lidar com a diversidade dos corpos, procurando eliminar quaisquer possibilidades de conflitos dessa forma corporal, que deseja a 'glória do progresso'. Para tanto, as técnicas de marketing ajudaram a difundir o discurso da homogeneidade travestido de liberdade, de igualdade, confundindo todos os sentidos e criando camadas protetoras, que auxiliam na contenção de conflitos.

Na verdade, os corpos só se tornam corpos graças à sua conformação aos códigos com os quais entram em contato. Pois onde e quando é que há algo do corpo que não seja escrito, refeito, cultivado, identificado pelos instrumentos dos sistemas simbólicos, elaborados socialmente? E eu diria mais, pelos instrumentos de uma simbólica social, que é política, que identifica e valoriza determinadas funções, características e potencialidades dos corpos e não outras! Ora, as deliberações pelo uso ou não de cigarros, pela exploração de um tipo de alimento e não de outro, não são feitas puramente por questões sociais ou culturais. Na verdade, a política entra em contato com essas facetas da vida procurando deliberar e apresentar soluções e propostas de ações para determinados problemas da comunidade/sociedade ou dos grupos. E é assim que funciona com as políticas do corpo.

Mas poderíamos ir além, caso essa introdução, já demasiada longa, não convença que falar de corpos é falar de política. Poderíamos, então, pensar nos corpos fascistas, comunistas e capitalistas. Seria engraçada a história da formação das instituições juvenis, se não fosse duramente cruel. O interessante é que as juventudes fascistas, comunistas, mas também as capitalistas, acabaram seguindo princípios morais e éticos praticamente comuns, não fosse a especificidade dos orgulhos nacionais e dos interesses compartilhados. O orgulho era o que fazia a diferença dos diversos grupos de jovens surgidos durante os anos de 1900-1930. A juventude hitlerista, a comunista, a fascista, o escotismo – em seu formato cristão ou laico, mas na maioria das vezes nacionalista –, a ordem DeMolay, todas essas entidades, entre outras que não consigo enumerar agora, fazem parte de um momento crucial, que ainda borra as consciências contemporâneas. Elas foram criadas por e num momento de desenvolvimento dos discursos da raça e do progresso, que defendiam o refinamento da nação a partir do desenvolvimento físico de sua população, a começar pelos jovens. Desenvolvimento físico passava, então, a ser sinônimo de desenvolvimento nacional. A dinâmica do século XX parece transformar os corpos em maquinarias capazes de superar aquilo que fosse tido como impossível, ano após ano. E essa dinâmica permaneceu incrustada em nossos corpos. Até hoje somos herdeiros desse tipo de pensamento e mesmo as ciências humanas caem nessa armadilha, ao tentar dizer algumas palavras sobre sua sociedade ou sociedades que lhes são alheias. É fácil identificar o discurso linear sobre o desenvolvimento das populações em análises, por exemplo, sobre a América, a Ásia e a África, ou mesmo sobre os incidentes no Haiti nas últimas centenas de anos.

É claro que o discurso não é racista como os racialistas desenvolveram nesses dois últimos séculos. Mas o discurso da raça passou a ser tratado de forma sutil(mente escancarada) no discurso da genética, do desenvolvimento científico e permanece no discurso sobre “desenvolvimento politico-econômico” (leia-se: no discurso que verifica – para justificar suas ações – o fato da população ter ou não alcançado a civilização, democratizando-se e capitalizando suas riquezas).

Os corpos de pessoas tidas como “fracas”, “aberrações”, “anti-naturais”, “preguiçosas” e “que não gostam de trabalhar”, são frequentemente destruídos em praças, viadutos, parques, favelas, fazendas, acampamentos e ocupações de resistência, mundo afora. Este é um fato muito simples de limpeza política travestida de “problemas sociais”, de “criminalidade”, ou de “problemas de segurança pública”. Noções inventadas há pouco tempo – apesar desse tipo de matanças existirem há séculos – sob a égide do progresso, do desenvolvimento industrial, tratados, sem nenhum escrúpulo como pauta para o desenvolvimento humano, a custo de milhões de corpos destroçados. E é interessante perceber que hoje em dia o desenvolvimento recebe um nome bonito aos nossos ouvidos: "desenvolvimento sustentável".

Enquanto meus dedos tocam o teclado do computador, outros corpos travam outras lutas, circulam, experimentam e criam sensações, relações, laços, afetos, dores, conflitos, cultura e formas políticas. Estamos sempre falando que é preciso pensarmos sobre nós mesmos a partir de outra perspectiva. Ainda não sei qual, mas qualquer que seja, parece-me importante levar em consideração nossos corpos e o que estamos ajudando a fazer de nós mesmos.

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sábado, 30 de janeiro de 2010

Sociologia do Shopping Center

1º capítulo – Definições preliminares


I – Dos shoppings.

É a inversolândia, um esforço abissal para nos convencer de que não existe a pobreza, ou antes, esperança de que por meio de um passe de mágica ela possa se evaporar. Aquela entrada no saguão principal esconde um portal, ruptura entre mundo real e o universo do auto-engano.

A arquitetura pretensiosamente monumental (mas na maioria das vezes de muito mau gosto) intenciona criar um ambiente quase religioso, assim como em uma catedral gótica, o homem deve se sentir diminuto perante o amontoado de mercadorias existentes. Olhar para os céus, não para ver um deus austero e punitivo, mas para reconhecer o severo mandamento do contínuo comprar. O Shopping Center não é sequer atualização dos mercados que prevaleceram durante a Idade Moderna e em épocas anteriores, as trocas comerciais e o suprimento das necessidades básicas ficam em segundo plano, importa, isso sim, valorizar o processo ad infinitun de aquisição.

Aqueles limpos, vigiados e iluminados corredores perfazem itinerários para que os crentes consumidores completem suas procissões, parando em suas vitrines favoritas – relicários com objetos de adoração. O Shopping Center representa o aceite inconteste ao consumismo, o comprar se converte em ato sagrado – “aquilo que nos diferencia dos animais” – nivelador dos homens, oferece a fundamentação para uma compreensão de relação social situada em torno do vender/adquirir.

Para garantir a eficácia desses templos, a verdadeira relevância do mercado precisa sofrer uma inversão. As trocas, por escambo ou por unidades monetárias, não vieram com o capitalismo (nem mesmo se defendermos a tese da sua naturalidade e pré-existência), as pessoas não podem produzir tudo que precisam, portanto, a circulação de bens, mesmo dentro de um regime de propriedade privada, traz uma solução para esse problema.

Comprar e vender não representam, necessariamente, uma deterioração das sociabilidades humanas, acontece que no atual estágio do capitalismo, tais procedimentos ganharam centralidade nas relações sociais, tornando-se elementos fundamentais para a construção identitária dos indivíduos.

Você é o que você compra. Por isso o Shopping Center deve estimular o consumo do supérfluo. As necessidades não devem ser sanadas, somente assim o consumidor regressará continuadamente àquele ambiente. E ele o faz, não por uma coerção, mas sim pelo interesse genuíno de se integrar ao cenário; ao subir por uma escada rolante, mira-se no espelho, repara nas sacolas que trás em sua mão, sentindo-se assim um consumidor, logo, um cidadão.

O homem moderno (ou pós-moderno?) está desesperadamente só e assustado, ele busca seu semelhante, igualmente perdido, igualmente aterrorizado, mas que também anda com pacotes entulhados nos braços. O Shopping Center, portanto, atua como espaço de socialização, de criação de laços sociais, mas com uma especificidade inerente aos tempos doentios em que vivemos.

Você não contata diretamente seu semelhante, trata-se de um reconhecimento puramente visual, passos apressados e trocas rápida de olhares.

“Ele é igual a mim, não estou ficando louco sozinho”.

Com efeito, loucura coletiva e arquitetonicamente explicitada: escadas que não levam a lugar nenhum, vitrines que se prestam ao uso como espelhos (para confundir o auto-reconhecimento com a adoração narcísica), banheiros supostamente mágicos e auto-limpantes – a exploração do universo do trabalho encontra-se camuflada. Em sua reiterada negação das diferenças de classes, o Shopping Center é inversão da realidade, imaginário do Olimpio, oferece aos consumidores a possibilidade de serem deuses.

Panteão que faz coro a nova compreensão de democracia, para banquetear-se com o néctar e com o ambrósio fornecidos pelos fast-foods nas praças de alimentação, basta empunhar a mais poderosa relíquia dos tempos modernos: o cartão de crédito.

II – Dos Shoppings de luxo
Continua.

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domingo, 17 de janeiro de 2010

Praia da Estação, a nova onda do verão!


No último sábado, 16 de janeiro de 2010, um grupo de pessoas em trajes de banho se reuniu na Praça da Estação, centro de Belo Horizonte, para curtir um dia ensolarado na cidade. Espaço “revitalizado” na década de 2000, o local que por muitos anos serviu de estacionamento para veículos recebeu diversas “melhorias destinadas à sua população”, como modernas fontes que saem do chão formando colunas d’água.

A princípio nada demais, não é mesmo? Numa cidade que não possui praias, uma praça que dispõe de uma vasta área, com a presença de fontes, parece ser uma boa alternativa para aqueles que em pleno verão gostariam de curtir o sol e se refrescar.

Mas a história não termina aí... na verdade ela só começa assim.

Essa reunião de “banhistas” que até poderia ser normal no dia a dia da cidade aconteceu após a publicação de um decreto do prefeito de Belo Horizonte proibindo “a realização de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação”. Fazer da praça a “Praia da Estação” foi a forma que alguns moradores encontraram para, além de curtir um dia de sol, mostrar que não é a partir de normas outorgados sem qualquer tipo de debate que os espaços públicos da cidade se constroem.



No inusitado dia de praia teve de tudo, mostrando a pluralidade da manifestação e das pessoas que resolveram aderir ao chamado anônimo que rolou pela internet e pelo boca a boca. Com a mistura dos instrumentos levados pela galera, dentre os quais se via desde trompete até tambores, rolou muita música, do axé ao maracatu. Os participantes não se esqueceram dos apetrechos, teve guarda sol, toalha, peteca, frescobol e, é claro, a indispensável farofa! Muito filtro solar foi necessário para combater o sol numa praça feita para o “povo estar”, mas inexplicavelmente destituída de sombra.

Mas o calor não assustava os manifestantes, pois como todo dia acontece, as fontes seriam abertas às 11 horas da manhã... seriam... pois segundo os responsáveis... as colunas d’água que foram acionadas sem problemas na sexta-feira (como eu mesmo pude atestar), passavam por manutenção.

Mas como a diversão não pode parar, não seria nem um decreto de um prefeito biônico, nem um problema técnico que iria acabar com a diversão do belo-horizontino que resolveu curtir o dia de sol na “Praia da Estação”. A galera se organizou e levantou uma grana para contratar um caminhão-pipa.

Enquanto a água não chegava, rolou muita diversão, com música e brincadeira. Deu tempo até para fazer um debate legal sobre o que significava tudo aquilo. Sobre o decreto do prefeito e sua inserção num contexto maior de controle, vigilância e afastamento das iniciativas populares das áreas públicas, notadamente do centro da cidade.

Foi bem legal ver em meio a toda a diversidade de pessoas que ocuparam a “Praia da Estação”, diferentes percepções do processo de controle que Belo Horizonte vem sofrendo. Muito foi dito, falou-se na similaridade desse fenômeno com o que se observa em outras grandes cidades brasileiras, notadamente os casos do centro de São Paulo e da região do Cais do Porto no Rio de Janeiro. Levantou-se a bola sobre a questão da Copa de 2014 e de todo um processo de vigilância e higienização da cidade em função do mega-evento. O dia a dia da capital mineira e das outras manifestações culturais que ocupam as ruas e que estão igualmente em risco também foi assunto do debate.

Muito ainda ficou por se falar. Aquela foi uma conversa que não se iniciou ali e muito menos ali teve seu fim.

Depois de tanto sol, música, bate-papo e farofa... só faltava mesmo a água. E se as autoridades competentes não puderam proporcionar o que o povo queria, coube ao povo assumir as rédeas e levar a água onde ele estava.

A chegada do caminhão-pipa completou o grande sábado em que a Praça da Estação se converteu em “Praia da Estação”. Os banhistas puderam finalmente se refrescar. O pessoal se divertiu a valer. Até quem tava no ponto de ônibus aproveitou a mangueirada para espantar o calor. Todo mundo se confraternizando debaixo do chuveirão e mandando vários recados.

A polícia foi convidada a aderir: “Ei, polícia a praia é uma delícia” ou “Tira a farda brim, bota o fio dental, polícia você é tão sensual”. O prefeito e a não ligação da fonte também foram lembrados: “Ei, Lacerda, liga essa merda!”. Mas nem a canetada do alcaide, nem a não ligação da fonte estragou o sábado de sol e a galera mandou o recado: “Praia da Estação, a nova onda do verão”. Além de sugerir: “Praia da Estação: toda semana!”. Será?





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