quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Classe Média Way of Life



Por favor, conheçam esse Blog

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sábado, 24 de outubro de 2009

Dos sentidos



Dizem que periodicamente, no intervalo de décadas, nossos sentidos sofrem mudanças, alterando suas potencialidades e qualidades. As balas coloridas e os chicletes super-açucarados da infância deixam de ser saborosos com o passar dos anos, enquanto o amargo e o azedo adquirem um novo interesse para nossos paladares. Eu, pelo menos, já sou capaz de perceber ligeiras modificações em minhas percepções; a acuidade visual diminuiu, os pirulitos e os caramelos se transformaram em coisas grudentas e insípidas que agarram nos dentes.

Já o olfato parece ter melhorado significativamente, fiquei bem mais atento para perfumes e outros odores, minúcias que por vezes são até difíceis de descrever. Mas há um cheiro se tornou parte do meu cotidiano, quase todos os dias, sobretudo se o ar está parado, um aroma muito adocicado invade as ruas do bairro onde moro e, se as janelas estiverem abertas, penetram nos aposentos de minha casa. É um cheiro enjoativo, a primeira vez que as pessoas o sentem não sabem identificá-lo, apenas expressam o desagrado. Uma fragrância que sempre esteve presente, mas com a qual eu havia acostumado, e só agora ela volta a incomodar-me.

É o cheiro da morte, o cheiro do matadouro, situado a muitos quilômetros de distância, mas que percorre a parte baixa da região, misturando-se com as emanações melífluas dos córregos transformados em esgoto. Odores que também se mesclam com outra fragrância, advinda da parte alta de um bairro ainda mais distante, originada nas refinarias da Petrobrás.

Aos iniciados é muito fácil distinguir o cheiro do matadouro, inicialmente algo quase agradável, mas que rapidamente enjoa o estômago, dando a sensação de que algo vivo encontra-se em lenta decomposição. Esse matadouro é antigo, surgiu antes que a urbanização se intensificasse, mas após o crescimento do bairro não houve qualquer esforço para mudar suas instalações. As vizinhanças alegam que o estabelecimento é gerador de emprego, além disso, sua salsicharia vende produtos muito baratos. Afirmam, simplesmente, que se acostumaram ao cheiro.

E é verdade. Durante muito tempo também estive imune a esses ares pútridos, uma revolução interna deve ter se operado em mim para que eu recuperasse a sensibilidade para tal odor. Não quero aqui me opor à indústria da carne ou levantar bandeiras veganas, minha fala é muito mais comedida. Não sei o que ocorre dentro dos muros daquele estabelecimento, talvez essa ignorância seja até apropriada, conveniente. Pretendo simplesmente ponderar que o despertar de nossos sentidos é vital para uma posição de recusa às injustiças institucionalizadas e cotidianamente ignoradas.

Fingimos não sentir a fetidez das latrinas ao céu aberto, nas passarelas e embaixo dos viadutos. Há homens, mulheres, crianças e velhos que se acocoram ao chão e ali expelem seus fluídos, tais quais nossos animais domésticos, que desfrutam, a propósito, de uma dignidade maior – ao menos nos dispomos a recolher seus excrementos.

Fingimos não ver nossos semelhantes caídos ao chão, cobertos de sujidades, restos de alimentos, poluições incrustadas, feridas mal cicatrizadas, manchas de vômito. Naturalizamos essas cenas, passamos apressadamente por esses invisíveis ao caminho da agência bancária ou dos shoppings centers, com aqueles banheiros tão bem aromatizados, com cheirinho de eucalipto ou hortelã.

Fingirmos sentir apetecência por aquelas massas que nos servem nas grandes redes de fast-food. Nem sabemos o que comemos, mas passamos a língua entre os lábios, “que delícia, hum, hum”. No fundo, intuímos nossa estupidez em deglutir aquelas poções de sabores indetectáveis. O cuspe do cozinheiro no seu hambúrguer é o menor dos problemas.

Nossos sentidos estão adormecidos, mortos, dominados por um sentido maior, de natureza, digamos, empresarial, que diz o que devemos ouvir, degustar, cheirar, olhar, tocar.

Recusamos isso.

Não queremos ouvir o som caótico das cidades. Dispensamos o cheiro marrom dos esgotos. Recusamos o sabor metálico dos condimentos vendidos nos hipermercados. Não tocaremos naquelas estruturas gigantescas de concreto, que demandaram a extinção do verde ao redor. Queremos ver um outro mundo que não esse.

A assepsia dos shoppings é tentadora (que bela ilusão de perfeição), mas ela vai acabar. Chega de enganação, o nosso despertar começou.

Sentidos mudam, individual e coletivamente. Vamos amadurecer nossas percepções, uma sensibilidade autêntica e vívida nascerá.

Aos decadentes sensualistas fica um aviso: cuidem-se, pois nossos paladares não descartaram a possibilidade antropofágica.

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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Dia 24 de Outubro – Participe do Dia de Ação pelo Clima



Este é um convite para aderir a um movimento. Para usarmos um dia para mudar o mundo. Mais Informações site da campanha Tic Tac Tic Tac.

Os fatos científicos são agora inegáveis: a crise climática é o maior desafio que a civilização enfrenta. Juntos, chamaremos a atenção do mundo para que se concentre numa solução.

Amanhã é o grande dia – 24 de outubro, o maior Dia Internacional de Ação Climática de sempre. Por isso junte-se à ação 350 mais perto de si para saber que fica fazendo parte de algo em grande.

Muito grande, na verdade. Esta campanha se espalhou como um vírus – vai haver mais de 4 mil eventos ocorrendo simultaneamente em 170 países. Tanto quanto sabemos, você vai fazer parte do dia de ação política mais abrangente de sempre, o maior alguma vez visto sobre qualquer assunto.

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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A Autonomia está morrendo!



Existe uma “equação filosófica” bastante esclarecedora que diz o seguinte: a quantidade de Liberdade de que goza uma sociedade – ou indivíduo – é inversamente proporcional à quantidade de segurança que aquela mesma sociedade – ou indivíduo – dispõe. Em outras palavras, quanto mais livre formos menos seguros estaremos e vice-versa.

E isso entendido nas mais diversas acepções, e não apenas na que acabou de pensar.

Por exemplo, se você for um cara concursado, que goza de um regime de trabalho seguro, bem como conta com uma certa “segurança financeira”, necessariamente, não será um cara tão livre no que toca aos seus horários, ao encaminhamento da sua carreira, às opções de trabalho, às folgas etc. – a não ser que chute tudo e abra mão da segurança. Se trabalha na iniciativa privada, ou melhor ainda, se é dono da sua própria empresa, sua liberdade amplia-se consideravelmente mas, se num dia qualquer, seu patrão ou acionista acordam de beicinho, podem te ferrar sem a menor cerimônia – segurança e estabilidade zero.

Eu sou um vagabundo, meu regime de trabalho é flexível, cumpro uma carga horária reduzida, tenho muito tempo livre pra fazer o que quiser, inclusive escrever posts para esse blog, mas a minha segurança financeira é nula, bem como frágil meu acesso aos direitos trabalhistas. O trabalho em si é um elemento de produção de segurança – pelo menos da forma como ele está organizado hoje –; o trabalho na sociedade capitalista moderna e pós-moderna é sinônimo de grilhão – ele despreza a liberdade. A liberdade que ele propicia – a liberdade restrita do consumo – é só um simulacro de liberdade, e o neo-liberalismo vem mostrando, cada vez mais, que até a segurança por ele produzida está se reduzindo a pó.

O capitalismo pós-moderno é imbecil, é autofágico, vende a própria corda que vai lhe enforcar, e nisso ainda Marx está certo. Mas calma! Não significa que a revolução proletária esteja próxima, pode continuar sentado aí na cadeira. O capitalismo vai acabar, nesse século, mas ainda vamos passar por uma fase de “Capitalismo Verde”, ou achavam que ele não se adaptaria a essa nova etapa? Como já está acontecendo aos poucos, a preservação do meio ambiente está virando um grande negócio...não, a verdadeira Sustentabilidade (diminuição das desigualdades, qualidade de vida, equilíbrio, autonomia dos povos sobre o espaço etc. etc.) será algo muito difícil de vermos concretizado. Aí sim, depois disso o capitalismo talvez acabe, e com ele arraste o que sobrar da humanidade.

Mas voltando ao ponto, os que dizem que o homo sapiens busca a liberdade estão mentindo ou enganados, bem como os que afirmam que ele busca a estabilidade e a segurança. Todos nós queremos uma amálgama dessas duas coisas, chamada Autonomia. Ninguém visa a total liberdade, eu não quero viver na total instabilidade material ou ética, portanto, quero instituições sociais que me dêem segurança. Por outro lado, ninguém deseja viver no mundo do futuro certo, do todo estabelecido antes do nascimento, onde nada deve mudar a fim de não comprometer a segurança de todos – numa hierarquia do seguro. Quero ser livre, pensar e fazer as coisas que me dão na telha, quero romper paradigmas e inovar ou, quem sabe, gozar da liberdade pra me manter da forma como sempre as coisas funcionaram. Enfim, queremos Autonomia.

Me dá preguiça certos discursos libertários ingênuos que caem na vulgata foucaultiana de que vivemos amordaçados por tudo e por todos e que só a total destruição nos libertará pra todo o sempre. Idiotice! É o tipo de palavrório que nos leva ao niilismo ético e moral e ao imobilismo, duas coisas que comprometem a Liberdade, a Segurança e, definitivamente qualquer possibilidade de Autonomia.

Autonomia é a virtude do auto-governo onde a opção por ser livre nas nossas decisões e atitudes não compromete a segurança mínima necessária pra que esse mesmo auto-governo seja possível. Autonomia é a virtude do auto-governo onde a opção por segurança não imobiliza a nós mesmo e os que estão em volta, de modo que possibilita a existência desse mesmo auto-governo na sustentação de um contexto de liberdade.

O impressionante é como chegamos num momento tão crítico quanto o atual. O medo, inverso da esperança, mata a sensação de segurança, destruindo a liberdade e comprometendo a autonomia. Se analisarmos as histórias de outras sociedades, percebemos que ora priorizavam a Segurança – a sociedade medieval –, ora a Liberdade – os primeiros momentos da colonização norte-americana, e outras, ainda, que detinham/detêm um equilíbrio invejável entre ambas, conquistando assim graus igualmente invejáveis de Autonomia – os bosquímanos na Namíbia e grande parte dos grupos indígenas sem estado da América pré-colombiana.

Mas todos foram destruídos?! Por que será?! E o que temos hoje no lugar? Uma sociedade obcecada com a Segurança, mas insegura e imersa no medo. Uma sociedade ávida por Liberdade, mas prisioneira de seus medos e preconceitos. Uma sociedade que busca a Autonomia, como todas sempre buscaram, mas que nunca se viu tão perdida nessa busca quanto agora, e que quando mais procura mais se perde – num contexto em que falar em auto-governo não passa de uma grande piada.

Todos são infelizes, todos estão infelizes. O pobre porque não tem liberdade nem segurança, o rico porque não tem ambos também. Todos escravos do trabalho morto...a Autonomia anda esquecida...como anarquistas, devemos resgatá-la!

Ainda voltarei a esse assunto...

Saúde e Anarquia pra todos!

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sábado, 10 de outubro de 2009

Viva Zapata! (Links)



LINKS ZAPATISTAS:

*EZLN

*Documentos e Comunicados Zapatistas

*Declarações da Selva Lacandona em Português: I a V

*Declarações da Selva Lacandona em Português: VI

*Palavras do Subcomandante Marcos à Caravana Nacional e Internacional de Observação e Solidariedade às Comunidades Zapatistas – Chiapas 08/2008. Excelente discurso onde ele assume sua ‘derrota’ para os indígenas no que diz respeito à sua antiga concepção de revolução

*Plataforma de Solidariedade com Chiapas (Observadores nacionais e internacionais dos Direitos Humanos em Chiapas)

*Rádio Insurgente EZLN

*Dignidade e solidariedade sempre presentes nas comunidades Zapatistas

*Perseguição contra os Zapatistas continuam

*Projeto Xojobil (projeto que visa dar suporte a estudantes, pesquisadores e militantes sociais que querem conhecer os Zapatistas e La Otra Campaña no Brasil/SP)

*Excelente texto de John Holloway sobre o corte epistemológico e a renovação da esperança advindos da experiência Zapatista

*Textos de Guga Dorea sobre o Zapatismo

*Comunicado dos Zapatistas/2009 – 15 anos de resistência à opressão do governo

*Boa análise recente das situação do EZLN (2006)

*CMI Chiapas

*Estesur – Notícias, cultura e política de Chiapas e México

*Subcomandante Marcos explica a não adesão à candidatura de Obrador

*Outras guerrilhas no México:
- EPR
- Outras

*Entrevista com brasileiro que visitou o EZLN em Chiapas

Saúde e Anarquia!!

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sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Viva Zapata! (Parte 03)



De acordo com pesquisas de opinião, os Zapatistas são visto com simpatia por grande parte da sociedade mexicana, algo de extrema importância para um movimento social na atual era informacional. Basta pensarmos o quanto movimentos como o MST, pra ficar no exemplo mais óbvio, seriam muito mais fortes e determinantes do rumo político do país se a situação deles fosse semelhante àquela. Infelizmente, por diversas razões que não cabem aqui, parece que estamos cada vez mais longe dessa realidade.

Em 1995 foi feito o primeiro de numerosos plebiscitos, em todo o México, questionando, entre outras coisas, a possibilidade do EZLN vir a se tornar uma força institucionalmente constituída e se aliar a outros grupos a fim de construir uma frente ampla de oposição. A consulta foi favorável à idéia, mas por pequena margem. Mesmo assim, os Zapatistas decidiram não largar as armas enquanto as negociações não avançassem. A institucionalização não saiu e o EZLN manteve-se longe dos poderes constituídos.

Abaixo, as perguntas feitas à população por meio da Primeira Consulta por la Paz y la Democracia (1995). São constantes os plebiscitos organizados pelo EZLN:

Segundo o sociólogo M. Castells, o EZLN pode ser visto como o primeiro movimento de guerrilha informacional, por ter como munição primordial não as balas de AK-47 ou de fuzis, mas sim o uso inteligente da informação numa sociedade…de informação. Castells cita especialistas que já previam a possibilidade desse tipo de contestação via “guerra informacional” desde o início da década de 1990: “Cada vez mais, as forças do futuro podem consistir de redes multiorganizacionais amplamente difundidas e desprovidas de uma identidade nacional particular, que aleguem terem como origem a sociedade civil, e incluam grupos e indivíduos agressivos, ardorosos defensores do uso de tecnologia avançada para a comunicação, bem como para a munição.”

A partir da VI Declaração da Selva Lacandona em 2005, a última delas até então, uma nova fase é inaugurada no zapatismo. A FZLN é dissolvida, sendo criada a chamada “La Otra Campaña”, atuante até hoje, onde se busca escutar todo o povo mexicano e de quaisquer lugares no contexto das mais diversas organizações ou fora delas. A idéia é buscar uma aproximação com todos grupos excluídos e à esquerda, que tenham como base o anti-capitalismo, o horizontalismo entre outros valores a serem melhor definidos no andamento do processo. Fica explícito, no documento, o distanciamento dos três principais partidos do espectro político oficial mexicano, criticados asperamente por Marcos, que também afirma que a construção de um novo projeto para o país passa muito longe do apoio a qualquer uma das chapas. A coligação contas com cerca de 334 organizações sociais e mais 136 grupos indígenas só no México.

Atualmente, não saberia citar outro caso tão bem sucedido de organização de um movimento social que luta, por demandas históricas. Tudo isso num contexto de globalização, descrédito de tudo o que não vá ao encontro das teses neoliberais, acirramento dos conflitos “tradição X modernidade”, da proclamação do fim das esperanças e das grandes narrativas libertadoras, da radical fragmentação das identidades, da sociedade informacional de rede, e de imposição de um clima de “fim da história” – onde não resta nada a ninguém, a não ser estudar, trabalhar, ser um empregado disciplinado e um consumidor responsável e exemplar ‘para subir na vida’. De acordo com esse discurso, nada restaria aos camponeses indígenas Zapatistas, dado que estão isolados demais para ter sua força de trabalho barata explorada, bem como pobres o bastante pra não serem considerados como um mercado consumidor em potencial.

É bastante claro que o Zapatismo não se resume numa ideologia. Alguns dizem que é uma Intuição. Nesse contexto, é interessante perceber que os Zapatistas têm uma preocupação com os efeitos do neoliberalismo em outros locais do mundo, mas sabem que a resposta dada aos seus problemas é fato essencialmente ligado à sua historia e situação. O Zapatismo lança a questão: “O que é que me exclui?”, “O que me isola e segrega”, sabendo que as respostas à esses problemas variam de lugar para lugar e de tempos em tempos. Ciente disso, o Subcomandante Insurgente Marcos estabeleceu a seguinte máxima Zapatista: “Todos nós somos iguais porque somos diferentes”. E na medida em que o Zapatismo se apresenta como uma ‘Intuição’ disforme, que dribla rótulos simplificadores e fechado, é que mostra o seu potencial transformador e adaptável às mais diversas realidades. Foca-se, exclusivamente, a sociedade civil organizada, a construção do poder de baixo para cima.

Aqui Marcos reforça essa idéia, ao abordar particularidades da organização dos municípios que fazem parte do movimento junto de visitantes que foram a Chiapas ver deperto o que estava acontecendo na Selva: “Além de nossa aversão ao poder, há outra característica essencial do Zapatismo – que vocês conhecerão aqui, nessa visita, ou se tiverem contato com os Conselhos Autônomos e com as Juntas de Bom Governo (...) nós Zapatistas renunciamos a qualquer tentativa de hegemonizar e de homogeneizar a sociedade. Não queremos um México zapatista, nem um mundo zapatista. Não queremos que todos passem a viver como se fossem indígenas de Chiapas. Queremos viver num lugar, aqui, nosso lugar. Que nos deixem em paz. E que ninguém tente mandar em nós. Assim entendemos a liberdade: que nós decidamos o que queremos fazer. E pensamos que isso só é possível, se outros, como nós, desejarem o que desejamos e lutarem pelo que lutamos. Isso é o que La Otra Campaña quer construir. Isso é o que a 6ª Internacional deseja ser. Um encontro de rebeldias, uma troca de saberes e uma relação direta, não midiática mas real, de apoio entre grupos.”

Guga Dorea, cientista político e jornalista brasileiro, pesquisador do Projeto Xojobil, que possui uma série de produções sobre o EZLN, enfatiza esse caráter inovador proposto por Marcos: “Como têm dito insistentemente os zapatistas, não importa quem esteja no poder. Não se trata também de pensar que um suposto voto consciente venha redimir a já falida democracia representativa, além de imaginar que uma simples mudança revolucionária no tabuleiro do xadrez traga a redenção na terra. O fundamental é que a sociedade civil esteja sempre alerta e resistente. A transformação social (...) só virá com a organização autônoma dos "de baixo" e não com "os de cima" – os que se proclamam detentores de uma verdade dogmática inquestionável e irredutível, apontando para uma inexorável luz, muitas vezes profética, no final do túnel.”

Mas, a despeito de questões teóricas e filosóficas, em que pé anda a situação do EZLN?

Em 2006, um dos candidatos à presidência no México, Lopez Obrador, do PRD, procurou fazer uma ampla frente de oposição aos tradicionais partidos de direita que vinham governando o México há cerca de 80 anos: o PRI e o PAN. Alguns analistas colocaram que a formação desse bloco chegou a eclipsar o EZLN como a principal força de oposição esquerdista no país. A sensação de esperança e redenção cresceu bastante no México, e os ânimos ficaram muito animados em torno de Obrador. No entanto, houve um áspero debate sobre a possibilidade dos Zapatistas apoiarem a aliança,no que, certamente, selaria a vitória do PRD. O apoio não saiu, e Obrador perdeu as eleições por uma margem de pouco mais de 0,5% dos votos – lembrando, ainda, a comprovação de uma série de fraudes no processo eleitoral, mas tudo acabou em pizza.

A crítica que foi feita aos Zapatistas, é que eles teriam perdido a oportunidade de, pela primeira vez, fazer com que um partido de esquerda assumisse o poder. No entanto, as justificativas do Subcomandante Marcos resgataram razões bastante interessante para não apoiar a aliança. Em 1996, quando das primeiras negociações entre o governo e os então recém sublevados de Chiapas, as promulgação de uma série de leis que protegeriam a zona autônoma zapatista, bem como criaria uma série de direitos para os povos indígenas, foi vetada no congresso nacional justamente com apoio de quem? Isso mesmo! Lopes Obrador e o PRD. Além disso, Marcos se referiu a entrevistas cedidas por Obrador durante a campanha onde ele assegurava a continuidade da política macroeconômica no México.

Na verdade, desde 2001, quando se deu uma completa desvirtuação em relação a outro projeto que seria votado a fim de estabelecer a chamada Lei Indígena no Congresso Nacional, o EZLN rompeu definitivamente as linhas de diálogo com o Estado – o que só ficou mais claro com a rejeição ao apoio à candidatura de Obrador, bem como a todo sistema político partidário mexicano.

O problema é que o EZLN acabou sendo acusado de fazer o jogo da direita e, na prática, foi isso que acabou acontecendo. Ouviu-se até o boato de que a cúpula zapatista estava rachada sobre essa questão do apoio ou não a Obrador. Inicialmente Marcos se posicionou a favor do voto nulo ou da abstenção eleitoral mas, depois das críticas, chegou a fazer referências à importância da população ir às urnas. Essa nova postura levou uma aproximação entre eles e uma série de outros movimentos sociais, indígenas inclusive, que antes mantinha reservas acerca postura dos autonomistas de Chiapas. Na verdade não chega a ser uma posição ‘anti-zapatista’ desses movimentos, a querela é mais voltada à questão tática propriamente dita. Pois segundo líderes desses outros movimentos, a chegada do PRD ao poder poderia significar uma diminuição das pressões sobre os movimentos autonomistas, abrindo margem para que estes ampliassem e melhorassem suas bases de organização. É uma jogada polêmica e incerta, basta ver que no caso de alguns países sul-americanos onde as esquerdas – pelo menos no nome – chegaram ao poder, viu-se muito pouco progresso em relação às questões sociais, pra não falar até de um certo enfraquecimento e fragmentação das esquerdas.

Nesse sentido, continua forte os movimentos pela La Otra Campaña em prol de uma aproximação com outras forças prezando pela reformulação do sistema político, pela confecção de outra Constituição, pela autonomia dos povos e por um poder construído de baixo. Dessa forma, mantêm-se as práticas originárias do movimento: “As comunidades criam seus próprios programas de educação, de saúde, de comercialização, constituindo pequenas mercearias e cooperativas. Não aceitando o dinheiro nem os projetos do governo, elas definem de maneira crítica seu tempo contra a mercantilização, enfrentam o discurso da mundialização por meio das lembranças e lendas indígenas.” Foi feita a opção pelo poder local, mas até que ponto, no modelo em que vivemos hoje, isso não acaba correspondendo a um martírio para as pessoas que fazem parte do movimento? Como lidar com centenas de pessoas miseráveis sofrendo com os boicotes e bloqueios, de várias naturezas, impostas pelo governo.

No entanto, apesar de tudo, é indiscutível que o discurso Zapatista, para além das montanhas de Lacandona, perdeu um pouco do fôlego. Sem contar que passa, agora, por um certo isolamento dentro do próprio México, pelo menos no quesito solidariedade porque, no que toca à repressão, essa ainda é constante tanto por parte das tropas federais quanto dos grupos paramilitares que, não raro, atuam conjuntamente. Teria o EZLN perdido uma oportunidade? Ou de fato a manutenção de sua proposta foi algo mais válido? Essas são perguntas do mundo político difíceis de se responder. O que será que vale a pena?

Em suma, pode-se afirmar que não existe hoje outra iniciativa vitoriosa como a que vimos, que questiona tão profundamente não só os elementos centrais do capitalismo, mas também toda uma tradição do que significa, e por onde caminha, a história em nossos tempo.

*-*-*

No próximo post disponibilizarei uma série de links interessantes sobre essa questão, e que me foram bastante úteis na elaboração desse texto.

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Os automóveis – parte 2



O problema do fluxo.

Há que defendermos os automóveis, pois eles são inocentes, inertes.

O problema do trânsito não são os automóveis.

Um carro é uma ferramenta. O problema do transporte é o individualismo. Opções individuais que obliteram soluções coletivas. Se substituirmos os automotores por bicicletas, em longo prazo os engarrafamentos voltarão a existir. Claro, a questão não se limita ao fluxo, outros fatores devem ser computados, como a poluição, a segregação espacial, etc.

A crítica à “Sociedade do Automóvel” é extremamente necessária, mas não podemos esquecer que uma “Sociedade da Bicicleta” ou uma “Sociedade do Patinete” pode ser tão ruim quanto. Em nossa contemporaneidade vivenciamos uma crise espacial, apesar de uma aparente retração do espaço, devido ao desenvolvimento dos meios de transporte, percebemos que o tempo dos deslocamentos se expandiu. Um exemplo seria confrontarmos o aumento do número de veículos particulares, supostos encurtadores das distâncias, com uma nova tendência em dispersar os equipamentos urbanos e afastá-los das áreas residenciais.

As elites destruíram as cidades, em seguida fugiram para condomínios fechados, escondidos em áreas arborizadas, atrás das montanhas, acessíveis somente por rodovias, sem imbricações com a malha urbana. Enquanto isso, os que residem nas negligenciadas periferias vivenciam dificuldades em acessar os centros metropolitanos, enfrentando congestionamentos e transportes coletivos em péssimas condições. Esse é o contexto no qual devemos atuar, conciliar os extremos que muitas vezes não se percebem.

Mesmo os automóveis de duas ou três décadas atrás atingem com facilidade a velocidade de 100 km/h, mas devido ao fluxo, nos horários críticos (rush), somente 30% desse valor costuma ser atingido. Uma carroça à tração animal situada na frente de um carro de luxo italiano restringirá a este último sua mesma velocidade q. O fluxo é letárgico e, a menos que você tenha um carro voador, não há como fugir da espera insana, inerente ao cotidiano de uma grande cidade. O que chamamos eufemisticamente de congestionamento seria melhor designado como “joga fora horas importante da sua vida”.

Essa constatação também explica porque há muitos acidentes com motociclistas. Não é nem tanto o descuido desses últimos (de fato, negligentes), mas sim uma tensão e um ódio sempre presentes. Aquele que possui um quatro rodas de 90 mil $, não aceitará com muita resignação ser ultrapassado por um duas rodas de 6 mil $. O trânsito é hoje um palco privilegiado para o aflorar das lutas de classes. A solidariedade entre os motoboys paulistas nos causa felicidade. No trânsito, a periferia tem conseguido impor satisfatoriamente seu ritmo e suas posições, os refinados motoristas em seus blindados com ar-condicionado maldizem a popularização dos automotores, que, aliás, eles próprios viabilizaram.

Longe de querer tomar partido – a empatia é espontânea, mas não articulada teoricamente; e as dificuldades de mobilidade na área urbana não podem ser reduzidas a posicionamentos tão simplistas do tipo bons X maus, ricos X pobres. Iniciamos o texto com a provocação: os carros não são culpados. Culpados são os motoristas. Carros não avançam sinais sozinhos. Carros não desrespeitam faixas de pedestres ou ciclovias sem um comando. Carros não se chocam uns contra os outros de forma autônoma.

Se esses motoristas virarem ciclistas, continuarão sendo péssimos condutores. O carro é só um pódio para a expressão suprema do individualismo, do consumismo e do ódio entre classes. Se formos fazer uma história do automóvel no Brasil, constaremos que esse veículo surge em um momento chave para as elites, quando elas negaram os bondes e os carris urbanos, buscando uma forma de deslocamento privilegiado. A principal vantagem do carro, no imaginário que então se constituiu, foi sua privacidade, necessariamente oposta à idéia de público. Em começos do século XX, os refinados descobriram que não teriam que conviver com os diferentes, colocou-se a possibilidade de segregação do pobre em guetos, fornecendo precários equipamentos de deslocamento.

Essa concepção ainda hoje prevalece, há menos ônibus (quem vem do latim OMNIBUS, isto é, para todos) nos feriados e domingos do que nos dias de semana. Tão evidente que nem merece maiores explicações, garante-se o percurso de ida e volta para os postos de trabalho, mas não há atenções quanto ao deslocamento dos trabalhadores nos momentos do ócio e da folga.

O carro não criou uma sociedade mais individualista, na verdade ele decorre desse mundo consumista e egoístico no qual o coletivo se dissipou. O carro é um dos principais troféus do capitalismo, mas ainda assim algo inanimado e dependente da vontade humana. Ele simboliza a competição e o mais alto grau de selvageria, sentimento explicitado nos tediosos e irracionais torneios de Fórmula I e similares.

O carro serve a senhores aos quais nós desafiamos, o carro expressa valores que recusamos. O carro deve ser destruído, não porque um mundo melhor surgirá ou então a natureza ficará a salvo, menos ainda porque um trânsito melhor se constituirá. O carro deve ser destruído, sim. Sim, porque será um abalo, um ataque, um enfrentamento formidável a uma visão de mundo que não pode mais permanecer.

Que caia o carro, mas que se liberte o motorista. Abaixo estacionamentos, viva jardins. Adeus automóveis, adeus ostentação e consumismo. Adeus flanelinhas, olá companheiros. Sumam autopistas, vivam os canteiros comunitários.

Os carros são meras ferramentas, invenções inócuas. Importante a reconciliação com o espaço para perdermos o desejo de devorar distâncias em segundos, unicamente pelo prazer de consumo constante – do tempo e do espaço.

Não lutamos contra a sociedade dos automóveis, lutamos contra a sociedade dos motoristas. Derrotar os motoristas significa salvá-los. Um carro a menos e um humano a mais, deixe seu carro em casa, mas deixe seu consumismo também.

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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Viva Zapata! (Parte 02)



As pretensões do EZLN são alvo de muitas discussões. Uma das mais polêmicas é a dúvida sobre a intenção, ou não, de tomada do poder – o que acaba levando a discussão para debates do tipo “Até onde é um movimento de caráter libertário ou marxista” etc. Mas o ponto é: as múltiplas práticas e discursos desse movimento não nos permite uma classificação simples, pois vemos lá: ação direta em diversos setores, elementos reformistas, ações armadas, propostas subversivas, preocupações com questões culturais, ciberativismo, plataformas contra-culturais, anti-globalização, crítica ao poder centralizado, ecologismo, anti-capitalismo etc. A despeito disso tudo, entretanto, pode-se concluir sem maiores dúvidas: de forma alguma o Zapatismo se resume num projeto de poder, se é que ele possui essa ambição – até porque, como já disse Marcos: “Esquerda institucional é ficcção”.

Não existe uma clareza das propostas políticas dos Zapatistas. Numa altura do documentário “Zapatistas”(link/download), de 1999, Marcos afirma que “Não queremos derrotar um governo para nos colocar no seu lugar. O que queremos é que se abra um espaço democrático onde a sociedade pode participar e decidir que rumo político vai ter.”

Ou seja, qualquer discussão que tente delimitar a doutrina Zapatista é perda de tempo porque, simplesmente, ela não existe como algo pronto – ela se faz a cada momento e em cada lugar, daí a força e a validade desse movimento na inspiração de outros levantes em qualquer parte do mundo, bem como numa proposta de reinvenção da esperança em tempos de morte das grandes narrativas humanistas.

Tal discussão a respeito do poder tornou-se ainda mais polêmica quando da IV Declaração da Selva Lacandona, quando o EZLN criou a Frente Zapatista de Libertação Nacional (FZLN), movimento civil, social e político – não militarizado – cujos membros não concorreriam a cargos eleitos pelo povo ou governamentais – dado não ser a tomada do poder a expectativa do movimento, diriam eles próprios na ocasião. A intenção era pressionar, de vários lugares, o governo mexicano e angariar mais apoio nacional e internacional para os insurgentes. Ainda criticavam o sistema de partidos políticos do Estado, e defendiam uma nova Constituição que defendesse a Justiça, a Liberdade e a Democracia, não apenas no seu viés eleitoral – mas uma democracia em que quem mandasse, devia fazê-lo obedecendo. O EZNL quis, assim, ser reconhecido como uma força política. A fim de lutar localmente e influenciar mundialmente os embates em defesa dos direitos políticos e sociais que vem sendo destruídos pela onda neoliberal.

Por meio do FZLN criaram-se dezenas de coletivos e grupos por todo o país, e continentes, que tinham como objetivo discutir e divulgar as propostas dos Zapatistas. O que o EZLN fez foi reestruturar a forma de fazer política longe dos paradigmas ‘estadocêntricos’ que vinham dominando a esquerda global há muito tempo.

Ainda sobre a questão do poder, Marcos colocou: “…houve uma mudança na posição do EZLN, a respeito do problema do poder. E essa nova posição sobre o problema do poder é a mudança que, dali em diante, mais fundo marcaria o caminho zapatista. Não nos demos conta, no primeiro momento – e quando digo "nós", somos todos, o grupo inicial de guerrilheiros e os povos das comunidades –, que as soluções, como tudo nesse mundo, constroem-se de baixo para cima. Toda nossa proposta anterior e toda a proposta da esquerda ortodoxa, até então, era o contrário disso: toda a esquerda ortodoxa sempre trabalhou na direção contrária; sempre trabalhou para resolver as questões, de cima para baixo. (…) Essa mudança, de baixo para cima, significava para nós não nos organizar nem organizar as pessoas para irem votar, nem para fazerem uma passeata, nem para gritar palavras de ordem; significava nos organizar para sobreviver e para converter a resistência em ocasião para todos aprendermos. Isso foi o que fizeram todos os companheiros, não o EZLN original, aquele pequeno grupo inicial, mas o EZLN já modificado pelo componente indígena.” E ainda: “(…) continuamos dizendo o que sempre dissemos: não nos interessa o poder; não queremos o poder; acreditamos que as coisas se constroem de baixo para cima.”.

Essa aversão dos zapatistas à política circunscrita à esfera do poder é fonte de outras polêmicas também, sobretudo frente a outros movimentos sociais, bem como junto a outros grupos guerrilheiros mexicanos que mantêm o projeto de tomada violenta do aparato estatal. A segunda guerrilha mais poderosa do México, o EPR – Ejército Revolucionário Popular – tece fortes críticas às concepções defendidas pelo EZLN e proclamadas pelo Subcomandante Marcos. Entre as críticas, destacam-se as que recaem sobre o fato do EZLN ter abandonado a luta armada de caráter ofensivo bem como ter estabelecidos linhas de diálogo com o governo (como foi o caso, por exemplo, do apoio Zapatista à aprovação de leis que reconhecessem a autonomia dos territórios indígenas). Fala-se também que os Zapatistas estariam mais preocupados com a comunicação do que a revolução propriamente dita.

Sem querer puxar a sardinha pro lado dos Zapatistas, mas já o fazendo, não posso deixar de lado a interessante informação de que, de todas as guerrilhas mexicanas atuantes hoje, e aí estou trabalhando com algo na casa dos 25 a 30 grupos, o único que não tem nenhum tipo de envolvimento com narcotráfico, práticas terroristas, seqüestros e assalto a bancos como forma de financiamento das campanhas e coisas do gênero são os próprios Zapatistas. Vê-se, desde aqui, que a proposta desse grupo consiste, definitivamente, em algo inovador. Já que consiste num movimento que não uso a dignidade humana como meio, mas sim como fim.

Voltando ao ponto; nos chamados “Encontros Intergalácticos”, organizados pelo EZLN e simpatizantes, e que reúnem tendências as mais variadas possíveis da esquerda mundial, já realizados no México e em várias cidades da Europa, decidiu-se pela organização de redes intercontinentais sem mando centralizado, nem hierarquia, fundamentada nas novas mídias digitais, contra o lado pernicioso da globalização: o neoliberalismo. Um dos resultados práticos desses encontros foi o estabelecimento da AGP – a Ação Global dos Povos – que, como se sabe, esteve e está envolvida em manifestações anti-globalização por todo o mundo.

Inclusive, vale a pena destacar esse último elemento, que é a fato dos Zapatistas estarem, desde o início, extremamente afinados com as recentes tecnologias comunicacionais, fazendo da internet um aliado poderosíssimo desde o levante em 1994 até então. No site do EZLN, você tem acesso a vários tipos de informações, bem como pode assinar a newsletter que mostra, quase que diariamente, as constantes investidas do governo, da polícia, do exército e de grupos paramilitares, visando o enfraquecimento, a intimidação e desestruturação do movimento. Para se ter uma idéia dessa pressão, hoje mais da metade do exército mexicano está acampado no entorno dos setores Zapatistas, cometendo todo tipo de violência e barbaridades.

Existe uma política de intensa pressão e intimidação, via criação de um clima constante de medo e insegurança, pelas forças militares que cercam a região, impondo à população civil o clima de uma verdadeira Guerra de Baixa Intensidade ( ou Guerra de Fricção), bem como medidas de cooptação do movimento, que visam esvaziar o apoio da população ao EZLN. Impede-se que os civis façam as atividades mais básicas, como trabalhar, por exemplo. Nesse processo, grupos paramilitares, ligados a políticos priistas locais, proprietários de terra e algumas comunidades sob domínio desses, usam de todos os expedientes disponíveis, inclusive os que passam por cima dos Direitos Humanos e pela Convenção de Genebra. Para se ter uma idéia do aparato envolvido nessas ações, além da polícia e do exército que, em função de mudanças legislativas, agora atua na defesa interna também, veja a lista dos principais grupos que lutam contra os Zapatistas: Máscara Roja, Paz y Justicia, Los Chinchulines, Los Degolladores, Alianza San Bartolomé de los Llanos, Fuerzas Armadas del Pueblo, Movimiento Indígena Revolucionario Antizapatista, Tomás Muntzer, Los Tomates, Los Quintos, Los Plátanos, Los Chentes, Los Puñales, Justicia Social, Organización Clandestina Revolucionaria e Los Aguilares. (Vide Mapa)

O apelo midiático também auxilia na difusão da mensagem zapatista, bem como impede que tudo se arraste para uma guerra civil direta e violenta – pois por meio da internet é possível o reconhecimento e a fiscalização pelas comunidades nacional e internacional sobre o que se passa na Selva Lacandona. A implantação de um rede virtual em Chiapas em meados de 1993 (a La Neta!), colocou on-line as ONG’s que trabalhavam na região, inclusive algumas voltadas para a questão dos Direitos Humanos. Por meio dessa tática, conseguiram forçar a negociação de paz, até porque a luta armada não faz parte da proposta, bem como a conquista de uma série de reivindicações bastante razoáveis: a reforma eleitoral do viciadíssimo sistema mexicano (que culminou com a perda do poder por parte do PRI, nessa situação há 70 anos), melhoria das condições de saúde na região, reforma educacional incluindo as mais de 30 línguas indígenas no ensino, a implantação de um governo autônomo dentro do estado de Chiapas e a criação de um estado de constrangimento em vários aspectos no contexto das negociações do Governo Mexicano junto do seus parceiros no NAFTA e outros organismos internacionais como FMI e BID.

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terça-feira, 6 de outubro de 2009

Viva Zapata! (Parte 01)



Não só na minha modesta opinião, mas segundo numerosos analistas mundo afora, e como os próprios fatos vêm mostrando, o auto-entitulado Ejército Zapatista de Libertación NacionalEZLN – é o que existe de mais interessante e revolucionário (sem medo de ser piegas ou tachado de ultrapassado) que hoje se apresenta nesse belo planeta azul onde vivemos. Falar do Zapatismo é coisa que já devia ter sido feita aqui no Blog do C.I.S.C.O. mas, dada a complexidade da questão, só agora pude reunir energia para estudar um pouco mais esse movimento que vem oxigenar a forma como a atualidade pensa o ‘fazer político’. Dessa forma, nos meus próximos posts, dedicar-me-ei a falar sobre e refletir acerca desse fantástico processo-eternamente-por-se-fazer em que consiste a, creio que assim posso chamar, como eles mesmo fazem, Intuição Neo-zapatista.

1º de janeiro de 1994, 3000 homens e mulheres, armados, tomaram controle das principais cidades no entorno da selva Lacandona – Estado de Chiapas, no México. As forças são compostas majoritariamente por índios de várias etnias, e uma minoria de mestiços – entre eles o porta-voz do movimento, o Subcomandante Insurgente Marcos. Os governos Estadual e Federal enviam reforços militares, no número de três para cada insurgente, que entram em choque com a guerrilha, ocorrendo uma série de baixas de ambos os lados. Apesar disso, a guerrilha consegue uma retirada vitoriosa para dentro da floresta. Essa ação estava enraizada há pelo menos duas décadas de organização política e social entre as comunidades de pequenos camponeses de Chiapas e Oaxaca,estado vizinho. Essas pessoas foram assentadas na região em meados das décadas de 1930/40, como parte da solução para uma crise gerada em função da expulsão dos chamados acassilados (camponeses sem terra) das grandes fazendas de outras localidades do país. No entanto, nunca contaram com algum tipo de apoio ou segurança, sob um contexto em que a política fundiária flutuava sempre ao sabor dos interesses do grande capital, do governo e de oligarquias locais. A partir de então, vê-se uma sucessão de perdas dos direitos e patrimônio dos camponeses, indígenas e mestiços da região – que corresponde ao setor mais pobre do país, apesar de ser muito rico em recursos naturais e energéticos que, entretanto, nuca foram convertidos em benesses para as populações locais.

O México preparava seu ingresso no NAFTA, ficando assim obrigado a estabelecer uma série de medidas neo-liberalizantes, o que fragiliza ainda mais as comunidades locais. Desse modo, temos o fim da propriedade comunal da terra (os Ejidos) – por meio da eliminação do histórico Artigo 27 conquistado com a Revolução de 1911), reassentamento de comunidades inteiras sob pretextos ecológicos, derrubada de tarifas protecionistas dificultando o comércio local baseado no milho, café, silvicultura e pequena pecuária. De modo que hoje cria-se gado para o abastecimento de redes de fast-foods e outras corporações norte-americanos onde antes existiam terras comunais.

Em meados de 1990 os camponeses organizam-se pacificamente contra essas medidas, chegando a mobilizações que contavam com imensas marchas contando milhares de indígenas que apelavam para a salvaguarda dos seus direitos e interesses. Quando ignorados, decidem mudar radicalmente as táticas de enfrentamento. Começam a vender a produção e mobilizar tudo e todos a fim de se organizarem e comprar armas. Em 1994 lançam a I Declaração da Selva Lacandona “Hoy Decimos Basta!”, ou “Hoje Dizemos Basta!”.

Aqui, vemos a amplitude da ocupação Zapatista no interior do Estado de Chiapas, localizado na região sudeste do país, após os primeiros combates.

Nesse site há uma série de mapas temáticos da região – pra melhor visualizar o conflito e as disposições das forças envolvidas

O movimento contou com o apoio de bispos, padres e catequistas da Igreja Católica, que passou dos milhares, fundamentados na Teologia da Libertação. Ajudaram sobretudo a organização dos sindicatos e dos camponeses, educação e informação. Tudo isso apoiado pelo forte sentimento religioso dos indígenas e povos da localidade. Vale lembrar que a Igreja, na região, vinha de um longo histórico de conflitos com o PRI (Partido Revolucionário Institucional) de Chiapas e com os proprietários de terra. No entanto, os católicos vão contra a alternativa armada e não apoiaram a insurreição de 1994.

Os militantes que fizeram parte dos conflitos armados eram, em sua maioria, indígenas das próprias comunidades atingidas pelas políticas governamentais, e por ex-militantes urbanos vindos de experiências em grupos guerrilheiros estudantis derrotados em fins dos anos 60, em sua maioria maoístas. Começa aí uma interessante história de sincretismo de idéias, diferentes tradições culturais e religiosas, imbricação de numerosas formas de prática política e social que culminou no estabelecimento do que hoje constitui o Neo-Zapatismo. Lembrando que as lideranças e os processos de tomada de decisões são fundamentadas na prática da democracia direta construída entre as próprias comunidades indígenas. O famoso porta-voz do movimento, o Subcomandante Marcos, não tem autonomia, e não teve quando dos levantes, para tomar decisões por si só ou baseado em pequenos grupos revolucionários vanguardistas.

As decisões devem ser endossadas por toda a comunidade organizada – até porque conta-se com toda ela quando das ações e para assumir as responsabilidades. Pessoas que não aceitavam as propostas definidas pela comunidade, chegaram a ser expulsas por recusar a participação no levante armado. O apoio dos civis em 1994 foi esmagador, refugiando-se juntamente na floresta quando da invasão das tropas federais e estaduais em 1995. Hoje, todos os líderes do Comando Geral do EZLN são escolhidos por meio de votações nas comunidades - comunidades essas que, também, os dão todo o suporte material além de apoiar a tática de “esconde-esconde” da guerrilha.

Os MAREZ (Municipios Autónomos Rebeldes Zapatistas), cidades sob controle do EZLN, correspondem à estrutura política/administrativa do movimento. É expressamente proibida a participação ou influência de quaisquer integrantes ou elementos do braço armado dos Zapatistas nas estruturas administrativas desses municípios, de modo a manter o princípio do auto-governo e do municipalismo tradicional tão caro às comunidades indígenas e camponesas. Essas localidades são governadas por Conselhos Autônomos, formados por homem e mulheres da região, que se ocupam de diversas questões como saúde, educação, trabalho, cultura e justiça. Existe todo um mecanismo que possibilita a participação do maior número de pessoas possível. Dentre as várias práticas existentes vê-se o voluntariado, o trabalho cooperativo e a formação de cooperativas, sem esquecer da prática da economia solidária. Não existe um sistema prisional ou polícia nos MAREZ, de modo que os “criminosos” não deixam de ser vistos como membros da comunidade, sendo-lhes aplicadas penas alternativas.

Esses municípios, por sua vez, fazem parte de um contexto mais amplo, espécie de regionais denominadas Caracoles. Cada localidade é representada por delegados e promotores escolhidos em assembléias, rotativos e destitutíveis a qualquer instante, que juntos formam as Juntas de Buen Gobierno. A função desse nível mais alto de governo é administrar as relações entre os povoados, bem como suas relações com o estrangeiro.

Algo que faz da experiência zapatista objeto de interesse é que, de todas as tradições que confluíram para o movimento, nenhuma delas manteve-se “pura”, ou detêm ambições de hegemonia. A cultura, hábitos e identidades indígenas são muito importantes, mas não podemos rotular o Neo-zapatismo como um movimento de caráter étnico. As diferença entre os indígenas, que historicamente contribuíram para o seu enfraquecimento frente ao colonizador, agora não consiste mais em um problema de bloqueio ao diálogo e cooperação. Em função das várias idas e vindas, desapropriações e etc., não existe mais uma homogeneidade entre as várias etnias indígenas envolvidas no processo, de modo que o principal elemento de unificação desses grupos é o fato de que todos se vêem como camponeses mexicanos explorados. Por parte dos guerrilheiros urbanos de origem marxista, o deslocamento é ainda mais interessante, como podemos ver nessa declaração do Subcomandante Marcos, onde afirma ter chegado na região com um projeto leninista/maoísta pronto de revolução, mas que acabou “perdendo” para os indígenas, reformulando por completo as suas percepções sobre mudanças sociais, liberdade e organização.

Então diz: “…esse exército e sua concepção sofreram uma derrota nos posicionamentos iluminadores, nas suas idéias de direção, caudilhistas, de revolucionários clássicos, segundo as quais um grupo de homens converte-se em salvador da humanidade ou do país. O que aconteceu, então, foi que essas idéias foram derrotadas no momento em que nos confrontamos com as comunidades e percebemos que, não apenas não nos entendiam; além disso, as comunidades tinham propostas muito melhores que as nossas. (…) Não tínhamos o que ensinar a eles em matéria de resistir. Nós é que nos convertemos em aprendizes, nessa escola de resistência, de saberes construídos em cinco séculos de resistência.”

Apesar dos vários elementos de caráter libertário (magonistas, anarco-comunistas entre outros), bem como marxistas (sobretudo vindo do socialismo libertário e do socialismo conselhista de tom luxemburguista), misturados ainda com as tradições de autonomia e solidariedade comunal dos indígenas, o EZLN não se vê como um movimento subversivo. Identificam-se como “patriotas” e “democratas”, fundamentando-se no Artigo 39 da Constituição mexicana que assegura o direito à alteração ou modificação da forma de governo. Há também apelos a discursos de tom terceiro-mundista, anti-imperialistas e por aí vai.

Interessante nisso tudo, também, é a preocupação com a estratégia política com forte teor pragmático. Não se sabe até que ponto o movimento tem um caráter nacionalista de fato, de modo que isso pode ser usado a fim de conseguir a simpatia de outros setores sociais, ganhos concretos para o movimento na sua relação tensa com os poderes constituídos, bem como deslegitimar discursos que visem uma repressão mais firme contra suas práticas. Mas, independente dessa questão do ser ou não ‘verdadeiro’, o fato é que isso foi muito bem usado por parte dos insurgentes. Isso porque fundamentam muito de suas críticas no viciado processo eleitoral mexicano, no domínio clientelístico do PRI em Chiapas (maior reduto eleitoral do partido no país), e à corrupção enraizada em todo o processo político e administrativo do Estado Mexicano. O levante não teve a data de escolhida por acaso, mas sim em função do fato de que o país acabava de entrar para o NAFTA, bem como em função das pretensões eleitorais e políticas de uma série de importantes líderes mexicanos o que, certamente, os fariam pensar mil vezes antes de levar a cabo repressões grotescas como tradicionalmente aconteciam às manifestações desse tipo.

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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Campanha Segunda sem Carne!



Apóie e participe da nova campanha da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), que quer incentivar as pessoas a reduzirem o consumo de carne. Pretende-se, assim, diminuir os impactos ambientais advindos da sua produção, bem como outros problemas gerados por todo o processo como os reflexos na política agrária, agrícola, econômica entre outros. Há, ainda, a questão de nível ético, outro valiosos ponto a se considerar – afinal de contas, é justo reduzir a vida de um animal à mera porção de uma escala produtiva ávida por lucros?

Conscientize-se!

Campanha Segunda Sem Carne


Apostila que trata dos impactos do consumo de carne

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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Vai de Helicóptero Uai!



Pobre é muito burro. Principalmente em São Paulo. Só sabe reclamar do trânsito, da falta de mobilidade, da dificuldade de tomar um transporte público. Acho que isso é desculpa pra chegar atrasado no serviço.

Porra!! Vai de helicóptero!!

Esses dias aí rolou uma matéria na net bem interessante e que endossa a minha tese. Na região do entorno da Rua Funchal, Zona Oeste da capital paulista, ocorre uma grande concentração de helipontos. Até mais que pontos de ônibus! São 75 helipontos e 60 de ônibus. Está dando até um problemão pras “autoridades competentes” pois, de acordo com as normas, existe uma distância mínima a ser mantida entre os helipontos, mas a demanda por eles é tão grande nas região, que a turma está quebrando a cabeça para que a coisa funcione de acordo.

A região é conhecida pela presença de prédios moderníssimos (leia-se bonitos (leia-se bregas e ecologicamente insustentáveis), e bem freqüentados (leia-se excludentes e elitistas)). As pessoas de boa índole que, por coincidência, moram perto da região costumam ir, inteligentemente, de helicóptero para os seus “trabalhos” – fazendo assim o favor de concorrer para a importante iniciativa de contribuir com o desafogamento do trânsito terrestre da capital. Já os pobres desgraçados, burros e infelizes, insistem em ir para o trabalho usando um transporte cuja infra-estrutura é bem mais restrita na região – mesmo morando mais longe.

Esse problema é muito sério. Creio que o governo deveria estimular a venda de helicópteros reduzindo o IPI aéreo. Ao passo que a população deveria colaborar e procurar evitar meios de transportes tão inconvenientes, lotados e fora de moda.

Pobre é burro mesmo!

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