quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sobre a Política de Alianças



Antes que alguém me acuse de plágio, deixo aqui o link do livro/panfleto que inspirou essa discussão, bem como a maior parte das opiniões e do raciocínio expresso a seguir. Trata-se de uma reflexão interessante acerca dos porquês e dos ‘não-porquês’ das políticas de aliança entre os libertários e outras tradições político-filosóficas.

É uma questão que vem me interessando continuamente e que, creio eu, extremamente importante para pensarmos o anarquismo tanto hoje como na sua trajetória passada. Esse post pode ser visto como um desenvolvimento de outro anterior, onde tentei estabelecer um diálogo entre o Pragmatismo e a Anarquia. Pois bem, vamos ao que interessa. Agora, se você é um daqueles puristas bem pé-no-saco, dê meia volta e saia fora.

José Danton (autor do panfleto), sugere que para pensarmos, nós libertários, a questão das alianças, devemos, antes, nos deter em três aspectos.

1) A necessidade de um fortalecimento interno dos movimentos libertários. (e com isso ele quer dizer que temos de nos preocupar com duas coisas: Programa e Organização);
2) A questão da hegemonia no âmbito dos movimentos sociais e políticos; e
3) A importância da autocrítica em lugar da onipresente auto-complacência entre os anarquistas de forma geral.

Sejamos práticos! De que adianta uma crítica certeira e bem fundamentada ao Capitalismo se, a partir daí, pouquíssimo temos a oferecer? Onze entre dez pessoas que apresento a crítica anarquista, acerca do sistema econômico sob o qual vivemos, com ela concorda em gênero, número e grau. Ótimo, isso não deixa de ter validade, o fato de grande parte das pessoas sentirem um desconforto ético em relação ao Capitalismo é algo de grande valia. Mas nosso problema é ético? Diz a grande mídia e as forças conservadoras que sim, mas creio que nosso problema é, antes, político, social e econômico. E por favor, não misturemos as coisas. O ponto é: a crítica por si só não mobiliza ninguém, mas sim a expectativa de que algo pode melhorar em sua vida é que faz o indivíduo mexer a bunda. O que significa que, sem um programa palpável minimamente definido, nada de quebrar o pau. No final das contas, por falta de programa próprio, acabamos nos posicionando, por afinidade ou rejeição, em referência a outras forças no contexto das esquerdas e/ou direitas.

Resumindo, acaba-se por tomar uma das duas posições: a) Rejeição de quaisquer alianças, ou b) Endosso inquestionável de uma corrente ou movimento qualquer.

Isso nos leva a um outro ponto, que é a questão do Sectarismo – o que me dá uma certa preguiça quando vista em auto-intitulados libertários, já que isso consiste numa contradição em termos. Mas, falar de alianças entre anarquistas em geral é algo que produz comportamentos extremados, onde se esquece que, de acordo com o bom princípio libertário, a pluralidade, o caráter caótico e a multipolaridade das linhas de organização é que fazem a força do movimento, bem como vão ao encontro do que, pelo menos em tese, desejamos.
Dessa maneira, podemos optar por adotar uma posição elitista e segura no conforto da nossa torre de marfim, de modo a não macular a pureza das nossas intenções (restringindo, dessa forma, a filosofia anarquista numa dimensão meramente ética), ou integrar, valorizar e saber usar as diferenças a fim de gerar as transformações sociais.

Segundo Danton, se você chegou até aqui, então, agora sim, devemos nos preocupar em como estabelecer as nossas políticas de aliança. Com muito cuidado e inteligência política, sob o risco de nos desprendermos do programa libertário, bem como dos que nos legitimam e apóiam. Lembrando que, nesse contexto, não se deve deixar de lado a problemática da Hegemonia pois, só assim, um trabalho de mobilização política e social se faz completo. E isso requer ORGANIZAÇÃO, dimensão até hoje não resolvida no âmbito dos movimentos ditos libertários (em breve farei uma discussão a respeito). Entra aqui, agora, mais um ponto, a necessidade da autocrítica.

Esse é o ponto do texto de Danton que mais me chamou atenção, e isso basicamente pela divulgação de informações desconhecidas por mim. Em meados de 1927, representantes das correntes anarquistas que participaram do processo revolucionário Russo de 1917, lembram que a causa da derrota dos grupos libertários frente aos Bolcheviques de forma alguma deve-se, principalmente, à repressão Estatal. Isso me pareceu estranho demais, dado que é lugar comum que o Exército Vermelho e a nascente burocracia comunista foram os responsáveis pela centralização de todo o processo e eliminação das tendências discordantes.

Mas usemos aqui o recurso da citação, e prestemos atenção nas palavras dos próprios anarquistas que, logo após o definhamento dos libertários na Rússia, faz esse profundo, e doloroso, exercício de autocrítica – bem diferente da auto-piedade reinante no âmbito dos movimentos libertários até hoje. Colocam, então, veteranos do Grupo Dielo Trouda que lutaram na insurreição makhnovista na Ucrânia:

“Adquirimos o hábito de culpar a repressão estatal do Partido Bolchevique pelo fracasso do movimento anarquista na Rússia(...). Isso é um grave erro. A repressão bolchevique dificultou a expansão do movimento anarquista durante a revolução, mas foi somente um dos obstáculos. Antes disso, foi a incapacidade interna do próprio movimento anarquista uma das principais causas deste fracasso, uma incapacidade emanada da imprecisão e da indecisão que caracterizaram suas principais afirmações políticas em relação à organização e às táticas”. (...) O anarquismo não tinha uma opinião firme e concreta sobre os principais problemas da revolução social, opiniões que eram necessárias para satisfazer as massas que faziam a revolução. Os anarquistas enalteciam a tomada das fábricas, mas não possuíam uma concepção precisa e homogênea sobre a nova produção e sua estrutura. Os anarquistas defendiam o princípio comunista: ‘de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades’, mas nunca se preocuparam em aplicar este princípio na realidade. (...) Incitavam as massas a livrar-se do jugo da autoridade, mas não indicavam como consolidar e defender os ganhos da revolução. Careciam de opiniões claras e de programas de ação precisos em relação a tantos outros problemas. Isso os afastou da atividade das massas e os condenou à impotência social e histórica. Nisso devemos ver a principal causa de seu fracasso na Revolução Russa. (...) tudo isto nos convenceu da necessidade de um novo partido-organização anarquista baseado em uma teoria, uma política e uma tática homogêneas.”

Pelo lado dos anarcossindicalistas, já em 1918 (!!), a opinião era convergente nesse sentido:

“Nós, anarquistas e sindicalistas - de fato, todos aqueles que crêem que a libertação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores - estávamos muito pouco organizados e éramos muito fracos para manter a revolução rumo ao socialismo. Não é necessário dizer que o socialismo não cairá do céu, e que uma única concepção de socialismo não é suficiente. (...) Havia uma necessidade urgente de organização sistemática e de coordenação de atividades. A revolução as buscou, mas pouquíssimos elementos estavam conscientes da necessidade e da possibilidade da organização federalista. E a revolução, não a encontrando, lançou-se nos braços do velho tirano, do poder centralizado, que agora sufoca seu respiro vital. Nós estávamos muito desorganizados, éramos muito frágeis, e por isso, permitimos que isto ocorresse.”

Decorre daí, e de outros exemplos históricos como o caso dos Magonistas na Revolução Mexicana, por exemplo, o fato que relutamos em assumir e que diz ser a principal fraqueza dos anarquistas, elementos internos ao movimento. Essa autocrítica, coloca Danton, está anos-luz da auto-complacência típica dos movimentos libertários das décadas seguintes em ao meu ver, até hoje.

O fato é que, na maior parte dos casos, os socialistas autoritários souberam se impor politicamente: têm um programa político claro, um forte chamado pragmatista e às necessidades palpáveis dos indivíduos, organização e por aí vai. Isso não significa que devamos endossar o modelo por eles adotados, mas simplesmente considerar os princípios cujo descaso, historicamente, foi responsável pelos nossos malogros: Programa, Organização, Hegemonia, Perspicácia Política e, se não a homogeneidade de ação, uma maior cooperação entre as várias frentes. O que isso significa e quais iniciativas ou movimentos devemos apoiar ou não, é algo pra ser analisado caso a caso.

Por fim, para agora concluir a respeito das Alianças Políticas de fato, a despeito das particularidades de Tempo e Espaço, Danton nos deixa alguns princípios gerais a serem acalentados, criticados e praticados (que, pessoalmente, não concordo com todos):

1) Fortalecimento interno do movimento, união/cooperação, formalização de um programa, caso contrário nunca nos converteremos em sujeitos dignos de serem levados em consideração para além de um bando de pessoas “do contra”;
2) A unidade não deve ser buscada a todo custo, mas sim avaliada frente às nossas propostas mais caras;
3) A eventual aproximação/aliança com uma outra força não deve significar uma união eterna e nem postergar nossos objetivos principais,
4) Tudo isso se deve, sempre, basear em articulações de cima para baixo.
5) Buscar a hegemonia libertária no seio dos movimentos. Lembrando que sempre existirão tendências conflitantes, por mais presença e força que os libertários tenham - de modo que,pensar na eliminação dessas outras alternativas é, por si só, algo que nos faria fugir de nossas características mais essenciais.

A conclusão é de José Danton:

“Hoje em dia encontramos, freqüentemente, anarquistas que enchem a boca falando sem parar do fracasso da esquerda latino-americana, do marxismo, etc. Qualquer um que escutasse isso pensaria, ingenuamente, que a história do anarquismo é, ao contrário, a história de uma série incrível de vitórias que fazem tremer os governantes e os capitalistas de todo o mundo. Mas até o anarquista mais alucinado se envergonharia de dizer tal absurdo. A insistência no fracasso dos “outros”, sem analisar primeiro nosso próprio fracasso, é como “o roto falando do rasgado” e não nos ajuda, em absoluto, a sair dos círculos marginais dentro dos quais se confinou o anarquismo em muitos países por décadas. Se é verdade que com os erros e fracassos alheios também se aprende, isso é totalmente inútil se primeiro não se aprendeu com os próprios erros e fracassos.”

Saúde e anarquia pra todos!

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domingo, 20 de setembro de 2009

Os automóveis – parte 1



Eles não vieram do espaço, não foram criados por uma inteligência maligna e sobrenatural, muito menos representam a dominação de uma raça ou dinastia sobre as outras. Ainda assim, muitos de nós somos seus escravos, nós que os construímos, passamos a atribuir a essas invenções potencialidades mirabulosas, tornamos de bom grado seus dependentes. Olvidamos que um dia fomos livres.

Nas cidades, esses mastodontes de metal imperam. São eles que determinam o ritmo do fluxo de pessoas e mercadorias. Os carros querem ser onipresentes, consideram-se com a incumbência de dominar tudo e todos, cada metro quadrado livre deve lhes pertencer. Trata-se de uma concepção aberrante de espaço, na qual toda irregularidade e toda forma de vida dever ser aplainada, eliminada, para dar lugar a superfícies revestidas de betume, tristes, feias, sem vida.

O carro é uma máquina, uma máquina do mau, uma engenhoca melifica, uma engrenagem assassina, mas uma máquina. O que comanda suas ações – seu coração, por assim dizer – é o motorista. Um pobre escravo que tem a ilusão de poder.

O carro é inimigo de uma concepção humanista da cidade, para o motorista não existe o público, apenas vias interligadas, e em certo sentido, privativas, que cumprem a função de integrar um ponto ao outro. A acepção tradicional de uma rua não existe para o automobilista, coubesse a ele, até as calçadas seriam arrancadas. O motorista não se interessa pelas árvores, bancos, pássaros ou homens, o que importa é uma avenida mais larga para facilitar a ultrapassagem, uma vez que ele não se solidariza nem com o veículo que segue ao lado do seu.

O motorista quer ter a ilusão de liberdade, controle e segurança, mas não há nada mais contrário à liberdade, ao controle e à segurança do que o carro.

Liberdade para se enclausurar em uma bolha metálica, sentindo-se abafado, limitado, contraído, acuado. Constantemente invadido por olhares inimigos, demandando uma vigilância constante para não ser ultrapassado ou esmagado por um veículo maior.

O motorista não controla sequer seus sentimentos, frequentemente acometido por sensações de frustração, impaciência e irritação. Tudo em sua frente é um obstáculo. Qual é a possibilidade de controle em um engarrafamento? Além da odiosa espera, nenhuma.

Não há nada mais seguro e cômodo do que um carro. Segurança de que, mais cedo ou mais tarde, você será lesado não há. O motorista sabe que um dia será assaltado, sabe que vivenciará um acidente, também sabe que em algum momento o motor sofrerá um dano (irreversível ou remediável) e que, provisoriamente, ele ficará destronado de sua máquina perfeita. O seguro-automóvel visa protegê-lo desses incidentes e acidentes, desses constrangimentos, dando-lhe um pouco de coragem, como se nem tudo estivesse perdido. Pobre motorista, escravo do seu carro, escravo do sistema financeiro, escravo de tantos temores.

E quantas comodidades esse veículo proporciona! Paga-se os impostos, paga-se o seguro, paga-se os pedágios, as taxas para estacionamento, paga-se aos flanelinhas, paga-se a manutenção e o combustível. Paga-se tudo isso para sofrer o congestionamento das vias, para se isolar no átrio da máquina, perdido em um lodaçal de carros, todos vítimas de uma mesma propaganda enganosa.

Não, o carro não te deixa mais veloz. Pelo contrário, ele justifica a expansão e extensão das vias, uma vez que os serviços e os equipamentos são construídos cada vez mais longe uns dos outros. O carro te deixa mais lento, posto que a distância a ser superada é sempre crescente.

Não, o carro não te deixa mais viril. Pelo contrário, ele o torna sedentário, fraco, preguiçoso, assustado. Para um genuíno motorista, um garoto vendendo balas no semáforo é um ladrão e deve ser evitado.

Não, o carro não te deixa mais feliz. Aquele formigamento na mão, aquela dor envolta do pescoço, aquela falta de ar não é felicidade, tem outro nome, stress.

Eles não são uma praga divina, são uma criação humana, uma ferramenta, uma arma, um desejo de potência nunca realizado. Máquinas obsoletas, necessariamente incompatíveis com a concepção de cidade que defendemos.

Queremos respirar ar puro e não dióxido de carbono. Queremos jardins e bosques e não pátios de estacionamento, queremos fraternidade e não o ultra-individualismo.

carros, nós os inventamos e nós os superaremos.

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sábado, 12 de setembro de 2009

PAC (Programa de Abolição do Crescimento)


A bola da vez é o pré-sal. Será das profundezas do oceano que sairá a solução do Brasil. “Nunca esse país cresceu tanto em toda História”, dizem por aí.

E...

Isso é bom?

Governos de esquerda dizem que sim. Governos de direita, também. As corporações dizem que não só é bom, mas é fundamental!

Bom, e quando governos e corporações concordam... sabemos que coisa boa não vem por aí...

Já sei o que alguns devem estar pensando... Ih... lá vem mais um desses que sempre são do contra. Bom, para esses, peço que leiam com atenção.

A crítica ao desenvolvimento ou ao crescimento vem sendo feita há tempos, ainda que de maneira fragmentada, devemos reconhecer. Mas, ao que parece, cada vez mais ela se torna consistente e uma consciência da incompatibilidade entre o crescimento econômico constante e um projeto de humanidade livre, justa e solidária se fortalece entre diferentes setores.

Um dos elementos importantes da crítica pauta-se na questão ambiental. É necessário que se tenha em conta que os discursos verdes fornecem subsídios importantes para a crítica do desenvolvimento desenfreado, especialmente quando mobilizam a idéia de sustentabilidade. Mas aqui um questionamento deve ser feito: sustentabilidade e crescimento econômico constante são termos compatíveis?

Uma boa resposta está no texto de Peter Russel.

Não adianta querer tapar o sol com a peneira. Ainda que para o consumidor final ou para aqueles que recebem seu dinheiro no banco no fim do mês não pareça, toda produção de riqueza faz parte de um ciclo maior, o qual envolve danos ao meio ambiente em ambas as pontas, como bem mostra esse ótimo vídeo:



Sendo assim, do ponto de vista de uma real sustentabilidade ambiental, a única proposta cabível é a diminuição da produção de riquezas.

Mas aí, coloca-se um problema. Ou será uma solução? Será possível diminuir a produção de riquezas num mundo com tantos pobres e miseráveis?

Bom, na humilde opinião deste que vos escreve... SIM!

Sim, porque o problema da pobreza no mundo não passa por falta de recursos, por falta de riquezas, por falta de alimentos. Ainda que essa constatação não seja novidade, nem represente solução para nada, ela precisa ser sempre relembrada. No que diz respeito à comida, por exemplo, a produção mundial é mais do que suficiente. Os geradores da miséria e da fome são outros.

Além do mais, em nome do desenvolvimento vidas são desperdiçadas, pautada no binômio trabalho-consumo, a sociedade mundial caminha de mãos dadas para um suicídio coletivo. E isso ultrapassa a questão da destruição sistemática do meio ambiente. Estamos falando aqui de deterioração do sentido da existência humana, reduzida a ações como produzir, comprar, ter... Tratamos de um individualismo crescente e da diminuição de laços de solidariedade motivada por conceitos como competição, sucesso e prosperidade.

Em nome do desenvolvimento, direitos sociais – e, em casos extremos como o chinês, direitos políticos – são negados. O suposto esforço de todos em prol do crescimento gera mais resultados para uns do que para outros.

Que concessões são feitas em nome da manutenção do sistema, não podemos negar. Mas isso é tudo? Isso basta?

Até onde essa onda desenfreada de crescimento vai nos levar?

Quando é que deixaremos de ter o crescimento econômico como foco principal de todas as ações e começaremos a focar, de verdade, objetivos como sustentabilidade; redução da pobreza com a conseqüente diminuição das desigualdades; ampliação dos direitos sociais e políticos; reconhecimento das vontades individuais e das pequenas coletividades?

Qual o sentido do crescimento econômico?

Não me venham dizer que é a superação de pobrezas, desigualdades e injustiças, pois se fosse assim, esse projeto já deveria ter se iniciado há décadas, já que o mundo cresce exponencialmente há um bom tempo.

Por tudo isso, é hora de mudar o foco... tratar do que realmente importa, corrigir injustiças históricas e frear processos suicidas de destruição das pessoas e do meio ambiente.

É hora de pensarmos o nosso PAC – Programa de Abolição do Crescimento!

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