terça-feira, 5 de maio de 2009

Direito à cidade x especulação imobiliária

O que há em comum entre uma pequena cidade no interior da Itália e as metrópoles brasileiras? Obviamente, algumas tantas respostas são possíveis. Mas, por enquanto, nos ateremos a uma delas: tanto lá, como cá, movimentos sociais, de um lado, e a especulação imobiliária, de outro, vivenciam embates para definir o futuro do espaço urbano.

Tal disputa, na verdade, não é privilégio apenas desses lugares. É algo que se estende por diversas partes do mundo, mostrando que ao poder econômico dos grandes construtores se opõe a organização popular que, de inúmeras formas, reivindica seu direito à cidade.

Spezzano Albanese, Itália, uma pequena cidade, com população de cerca de 10.000 habitantes. Ali, desde a década de 1970, a população se organiza em torno de diversas lutas cotidianas, especialmente as ligadas às definições dos espaços da cidade. Denunciando as influências obscuras da especulação imobiliária sobre o poder público e exercendo pressão para a adequação do tecido urbano aos anseios e às necessidades dos cidadãos, vários organismos, dentro os quais sindicatos, têm alcançado importantes vitórias, como relatam no livro “O bairro, a comuna, a cidade... espaços libertários!”.

São Paulo e Belo Horizonte, Brasil. Nessas, e em outras tantas grandes cidades do país, grupos de pressão variados atuam em lutas cotidianas que têm por uma de suas razões a reivindicação do direito à cidade. Na capital mineira, ações como a Ocupação Dandara ajudam a evidenciar os absurdos da especulação imobiliária, ao mesmo tempo em que propõe outras formas de utilização dos espaços urbanos.

Em São Paulo, as ações são tão variadas quanto as aberrações provocadas pelo desejo insano de lucro do mercado de imóveis e de seus apoiadores. Ali, o absurdo já faz parte do cotidiano. Mas tratemos de alguns dos últimos.

As recentes discussões giram em torno das tentativas de revisão do plano diretor da cidade. Não é novidade para ninguém que esse é um dos problemas crônicos da capital paulista. Centro econômico do país, São Paulo, há muito, vem assistindo a um cruel processo de segregação dos espaços, com a constituição de uma gigantesca periferia. À população pobre da cidade, cada vez mais são destinados os locais mais afastados, com pouquíssima infra-estrutura de serviços.

Ali, tal apartheid social já é visto com naturalidade. Tido como o resultado óbvio dos diferentes poderes de compra de cada classe. Quase nunca se questiona o que de absurdo há em tal concepção da cidade, que relega justamente aos que mais precisariam o menor acesso aos serviços públicos como saúde, educação, transporte, lazer etc. Que permite que inúmeros imóveis das áreas centrais da cidade se mantenham inabitados, muitos dos quais com dívidas impagáveis com o poder público, enquanto tantas outras pessoas vivem em situações precárias ou vêem grande parte de suas rendas gastas a fundo perdido em aluguéis de péssimas habitações, localizadas em áreas muito afastadas.

Não bastasse a situação em que a cidade se encontra, as recentes ações e debates parecem apontar para o aprofundamento de tais absurdos. Atualmente, tramita na Câmara Municipal de São Paulo projeto que permitirá a revitalização da área conhecida como Cracolândia.

Revitalização. Bonito nome. Cada vez mais ouvido nas grandes cidades do Brasil e do Mundo. Mas, o que isso significa? Voltar a vida, dirão alguns. Mas que vida? O que ou quem viverá ali? Bom, basta ver as propostas para que se tenha logo idéia. Definitivamente não se implantará nenhuma moradia do “Minha Casa, Minha Vida”, essas ficam para os terrenos mais afastados... afinal de contas, como dedicar áreas tão bem localizadas, tão valorizadas, tão nobres, a programas voltados para a baixa renda? (e aí, o ciclo se reinicia... Mas que milhões de casas serão feitas, isso elas serão. Onde, isso já é outra história).

Já a revitalização, essa é coordenada pela iniciativa privada, normalmente subsidiada com verba pública.

Mas afinal de contas, como algo tão absurdo acontece? Como se destina dinheiro público para uma obra que será tocada por empresas privadas que depois lucrarão com os empreendimentos. Bom, a justificativa é que para a “revitalização”, para a extirpação do mal, no caso, da cracolândia, vale o esforço... Quando, contudo, cruzamos outros dados percebemos que o problema é outro.

O que dizer da participação do setor imobiliário no financiamento das campanhas dos vereadores e no apoio aos partidos políticos? Tal setor representa um dos maiores patrocinadores dos nobres representantes do povo. E na hora de votar? Qual lado será que eles vão escolher? Bom, essa resposta eu passo... Óbvia demais.

Mas o que fazer? Há o que fazer?

Não só há, como já está sendo feito. A pressão é grande. Inúmeros são os grupos que se organizam cotidianamente e assumem as rédeas da ação. A exemplo do que se viu no caso da pequena cidade italiana de Spezzano Albanese, numa grande metrópole como São Paulo – ainda que de maneira mais fragmentada, é verdade –, atitudes têm sido tomadas.

A partir do momento em que não são representados (e isso não tem a ver, apenas, com o fato dos vereadores serem patrocinados pelo setor imobiliário, mas com uma impossibilidade mais geral da representação, algo que retomaremos depois), os grupos e indivíduos partem para a participação e através de suas ações propõem-se a interferir nos rumos da cidade. Ao fazer isso assumem uma outra relação com o poder público, em vez de reconhecer nele seu legítimo representante e esperar que ele se encarregue de tudo, passam a exercer constante pressão, evitando que a farra aconteça de maneira desenfreada. (Negar o Estado é fundamental, ignorar sua existência é tolice.)

Assim se vêem ações das mais diversas para a contestação dos absurdos que se desenrolam a partir da relação entre o setor imobiliário e os poderes municipais paulistanos. Dos sem-teto aos grupos de fiscalização, como o Centro Vivo, setores da população também reconhecem o seu papel na definição da cidade em que querem viver.

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Para conhecer mais sobre a atuação do Movimento dos Sem-Teto de São Paulo, recomendo o ótimo documentário À Margem do Concreto.

4 comentários:

  1. Discutindo esse assunto, creio que não há como concordar que, juntamente à questão do trabalho, as práticas de especulção imobiliária, no campo e na cidae, consiste nas duas coisas que mais oprimem a sociedade hoje em dia.

    Creio que devemos aprofundar a discussão sobre o municipailsimo libertário - ler mais os teóricos e procurar mais iniciativas mundo afora

    Agora, confesso pra vocês que minha postura mudou um pouco desde as reuniões presenciais...tenho tido uma maior simpatia por posturas como as do Black Bloc e manifestações de enfrentamento direto...por razões que ainda não saberia dizer (ressentimento reprimido,talvez?!). Mas o caráter libertador dessas iniciativas têm me chamado atenção. Cada vez mais defendo invasões, depredação de imóveis e móveis e coisas do gênero...o que me dizem?

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  2. CORRIGINDO: "Discutindo esse assunto, creio que não há como NÃO concordar que,"

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  3. Não sou totalmente oposto a ações como as do black bloc. Mas não creio que elas possam ser pensadas como ações duradouras, que podem se sobrepor oou mesmo substituir as ações de fiscalização e de organização para pressão. Elas são importantes e momentos muito específicos de manifestação. Não creio que gerem ações duradouras de fortalecimento da sociedade civil frente ao estado e ao poder econômico.

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  4. Como ação duradouras podem ser vistas sim...acho que você quis dizer que o problema é ficar só nelas, não. O interessante e aliar diferentes iniciativas. Poxa cara, acho que têm sim uma fator de geração de ações duradouras na sociedade civil...são manifestações que visam gerar conscientização...desconstrução do óbvio. Têm uma dimensão pedagógica,não acha?

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