sexta-feira, 8 de maio de 2009

O Trabalho Liberta! Será mesmo? (parte 02)



Redefinir o trabalho hoje é algo que se mostra mais do que necessário, caso de vida ou morte. A sociedade do trabalho tornou-se suicida. Está destruindo a si própria, como que numa espécie de autofagia, pois atualmente, como nunca, a utopia do pleno emprego (decente) está há anos luz de nossa realidade. A despeito disso, todos nós continuamos nos pautando pela escala de valores da sociedade do trabalho – e é nesse momento em que praticamos o nosso canibalismo suicida.

Um dos maiores impasses do mundo moderno, desde a sua ‘fundação oficial’ lá no XVIII, e enfatizado por todos os grandes sistemas ideológicos que vieram depois disso, como os fascismos, o comunismo, a social-democracia etc., é uma questão que tomamos hoje por óbvia e que a Declaração dos Direitos do Homem de 1948, da ONU, refunda: “Todo homem tem direito ao trabalho”. Está posto lá no artigo 23:

“1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.”

Se refletirmos bem, concluiremos que tal enunciado, além de consistir em pura virtualidade para a própria época (e olhe que estamos falando de uma fase da história humana em que mais próximo chegou-se do pleno emprego e do paraíso da produção e do consumo irresponsáveis), na prática, nenhuma dessas assertivas foi concretizada, de modo que, agora, tornou-se ainda mais irreal. Porque estamos em crise, isso se mostra de forma mais intensa. De qualquer modo, o paradigma do trabalho como base da organização social, desde a sua criação, jogou a humanidade em guerras fratricidas, fragmentou laços sociais, escravizou corpos e mentes e fez de uma atividade monótona, alienada e limitante a razão de nossa existência.

Isso entranhou-se a tal ponto em nossos espíritos que, desde então, o trabalho converteu-se numa ‘externalidade impositiva’. Ou seja, o trabalho como fator de cidadania, dignidade e liberdade, foi levado tanto às últimas conseqüências (o mesmo caso poderíamos dizer da propriedade privada que também está posta como um direito do homem lá no documento da ONU, mas isso é assunto pra outro post), que julgamos as pessoas pela sua condição de trabalhador ou não-trabalhador. O inciso terceiro do artigo é paradigmático nesse sentido: “Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.”...Legal!! E quem não trabalha? O desempregado?! Não tem direito a uma vida digna?!

Resumindo, a sociedade do trabalho vinculou à dignidade do ser humano a algo externo e independente às suas vontade e capacidade. Em outras palavras, uma pessoa não é digna pelo simples fato de existir, mas sim por ter uma carteira de trabalho (assinada, diga-se de passagem).

Percebam o perigo dessa ‘externalidade julgadora’...pois em todas as ocasiões em que isso se dá/deu vemos: racismos, limpeza étnica, classismos, políticas públicas de caráter segregativo, preconceitos dos mais variados tipos e graus, xenofobia e por aí vai...justamente muito do que está voltando, com toda força agora, com a crise final da sociedade do trabalho. Mas o ponto é que devemos procurar alternativas fora dessa lógica...re-significando-o para, assim, gerar liberdade, tolerância e solidariedade. Para isso toda a roda de economia deve ser revista, alterando-se os princípios básicos que a moldam: individualismo, consumismo, tempo de trabalho como fator central de remuneração e a produção e o crescimento econômico como portadores de um fim neles mesmos. Como foi dito em post anterior, tudo torna-se legítimo desde que empregos e crescimento sejam gerados.

Nesse contexto é interessante pensar a prática do cooperativismo, sem nos deixarmos enganar que essa metodologia não encontra barreiras ideológicas, na medida em que serve muito bem tanto ao capitalismo quanto à sua superação. Ou seja, utilizando a estratégia das cooperativas, pode-se tanto multiplicar a produção e os lucros, bem como manter a perspectiva clássica da divisão do trabalho, como optar por uma via mais progressista. Está última é a que defendemos e procuraremos dar voz aqui no Blog do C.I.S.C.O.

Valorizando a dimensão autônoma e independente das organizações, o questionamento da divisão do trabalho como está posta, a organização democrática radical do funcionamento interno e externo das cooperativas, a autogestão alocada nas mãos de quem lá está ‘trabalhando’ bem como está ligado às cooperativas por vínculos mais sólidos do que o que liga um cliente uma empresa (ou seja, alertando para a questão da participação e necessidade) etc., estaremos, agora sim, discutindo o problema na sua complexidade.

Contra uma sociedade dilacerada pelo individualismo e pela competitividade como virtudes centrais, devemos propor uma outra baseada na solidariedade. E aqui estou sendo o mais ‘sociologicamente técnico’ possível, pois ser solidário não é sinônimo de ser ‘bonzinho’, mas diz respeito, puramente, a convergência de interesses. Isso é possível de ser pensado até numa perspectiva ‘egoísta’.

De modo que lanço as seguintes questões: Meu caro, você quer continuar vivendo nesse século? Deseja viver uma vida fundamentada no medo e na angústia da incerteza e da desconfiança? Num mundo de poucas vozes e escolhas? De antidepressivos e ansiolíticos? De falsa individualidade e liberdade?

Creio que suas respostas coincidem com as minhas. Tudo o que queremos é só ter o nosso mundo de volta – se é que algum dia assim o foi. Mas não creia que o ‘nosso’, aí, é aquilo que você escolhe na vitrine do shopping. Sim, estamos sendo enganados! Se que mesmo o ‘nosso’, seja genuinamente egoísta, pense por si mesmo e torne-se solidário em todos os espaços!

2 comentários:

  1. Muito boas as questões colocadas!

    Esse documento dos direitos humanos tem pontos ríduculos! Não bastasse declarar a propriedade privada um direito fundamental do homem, ainda vem com essa de atrelar o trabalho à conquista da cidadania...

    Avançar na discussão das relações de trabalho e passar a se questionar sobre esse ponto que é tido como inquestionável é fundamental para que uma série de outros aspectos sejam transformados.

    Quanto mais discutimos sobre o tema, mais claras ficam as interligações entre as diferentes esferas da vida e, principalmente, entre alguns de seus nós, como trabalho, consumo, propriedade.

    Algo evidente quando observamos todos esses tópicos é o lugar que eles ocupam em nossa sociedade hoje e a forma como são tratados. Em certos casos elevados a condição de temas não sujeitos ao debate...

    Vemos isso, por exemplo, muitos discursos ambientais, que falam em uma vida mais consciente em relação ao meio que nos cerca, mas que em momento nenhum contestam esses pontos fucrais do debate.

    É como se houvesse um campo de força que faz com que todas as discussões tangenciem esses tópicos que se tornaram tabus modernos.

    Discutir o trabalho é fundamental... esse sob certa perspectiva torna-se complementar ao capital na constituição de condições opressoras de vida e, pior que seu par, é amplamente defendido, com unhas e dentes, pelos explorados.

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  2. "Quanto mais discutimos sobre o tema, mais claras ficam as interligações entre as diferentes esferas da vida e, principalmente, entre alguns de seus nós, como trabalho, consumo, propriedade."...Doido!! Percebo isso também..parece formação de quadrilha!! rsrsrs

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