A crítica à representação política é fato antigo no mundo ocidental. Pensadores comunistas e anarquistas, ainda no século XIX, questionavam esse que é um dos pilares da democracia liberal.
A impossibilidade da representação, tendo em vista a incapacidade de qualquer ser humano de responder por milhares de pessoas sem consulta prévia, e o afastamento da ação política por parte dos cidadãos/eleitores são algumas das críticas mais recorrentes ao modelo. Tais fatores são reconhecidos, inclusive, pelos defensores do sistema representativo que, contudo, justificam-se afirmando que eles são decorrentes de erros a serem corrigidos e não de falhas estruturais da democracia.
Ao longo desses quase duzentos anos, os questionamentos ao modelo representativo se aprofundaram, muitas vezes, em resposta às novas estratégias de justificação da democracia liberal. Apesar de incontáveis evidências dos graves limites da representação política, um discurso com forte penetração social ainda prevalece.
Apesar disso, vemos que, no caso brasileiro, os esforços para manutenção da ilusão democrática são cada vez maiores e mecanismos cada vez mais complexos ajudam a suportar os discursos dos supostos representantes da nação.
Dados recentes demonstram um grande aumento do investimento público em propaganda. De forma crescente, a veiculação de campanhas publicitárias nos mais diversos meios, por parte dos governos municipais, estaduais e federais se dissemina. Ao contrário do que prevê a legislação brasileira, as peças pouco cumprem sua função social de informar e educar o cidadão e servem muito mais como instrumentos de auto-celebração das gestões e dos governantes.
O ato de governar cada vez mais se resume a sustentação de um discurso midiático. Pouco importa que a educação mineira esteja falida, ou que o estado venha sofrendo com a falta de estrutura de seus municípios para conviver com as chuvas. Para se garantir a imagem de um governo coerente, um grande aparato de publicidade é montado, inclusive contando com a conivência dos grandes meios de comunicação provincianos.
Caso pior se observa em estados como o Maranhão, no qual a “famiglia” Sarney estende seus tentáculos por todos os espaços, dominando não apenas a mídia regional, mas atingindo diversas outras esferas, inclusive a oficial.
Por se falar em ligações entre políticos e meios de comunicação, o site Donos da Mídia faz um interessante mapeamento dos parlamentares e governantes possuidores de concessões de veículos de informação, de jornais a TVs. A presença de alguns nomes na lista nos ajuda a compreender a sua capacidade de manter votos apesar dos reiterados escândalos em que se envolvem e da notória incapacidade de representar os interesses dos seus eleitores.
A percepção de todo esse aparato midiático, sem dizer dos demais mecanismos que garantem a manutenção de inúmeros “currais eleitorais” pelo Brasil, nos leva a questionar até que ponto a representação política é somente um sistema ineficiente. Ou será que podemos afirmar que ela se transformou em modelo que contribui para a permanência e o agravamento da miséria de inúmeras populações?
Observando alguns casos, percebendo como atuam oligarquias regionais, como os Sarney, no Maranhão e no Amapá, notamos que o que ocorre ali é uma produção sistemática de pobreza e subdesenvolvimento, condição sem a qual a hegemonia política e eleitoral da “famiglia” estaria ameaçada.
Há ali um tênue equilibro entre sabotagem sistemática do desenvolvimento regional aliada a benefícios pontuais e de curto alcance que garantem a construção de uma ilusão de que, ainda que com medidas de eficiência questionável, o voto nos membros da “famiglia” pode representar um pequeno ganho para comunidades que tem como preocupação cotidiana a mais básica sobrevivência.
Aliado a isso, observa-se a constituição de um forte aparato que envolve incontáveis veículos de mídia, com destaque para a filial local da Rede Globo, além de ampla penetração por diversos setores. Nessa medida, os Sarney representam a versão século XXI do coronelismo brasileiro.
Casos extremos como o maranhense apenas ajudam a evidenciar nós que estão a todo o momento presentes na dinâmica da representação política. Ao se acompanhar a trajetória dos políticos eleitos, percebe-se a construção de uma série de estruturas, as quais estão pautadas nas mais variadas estratégias, da constituição de conglomerados de comunicação, passando por medidas recorrentes de assistencialismo voltados para bolsões de pobreza específicos, até a constituição de fortes vínculos com o setor empresarial, o qual contribui com vultuosas quantias – por dentro e por fora – durante as campanhas.
Para os defensores do sistema democrático liberal, esses são desvios do processo. Na minha opinião, eles são a regra. Frente à impossibilidade da representação, a opção dos partidos na luta pelo poder é a de constituição de diferentes estratégias de conquista de voto.
Frente a isso, o que fazer? Que papel caberia a sociedade civil nesse jogo de interesses?
Creio que, antes de tudo, fazer-se representar a si mesma. Tomar as ruas, criar seus próprios mecanismos de comunicação, interferir nos veículos midiáticos já existentes, criar suas próprias soluções para seus problemas... E, porque não, reverter a ilusão da representação política a seu favor.
Se entre os setores do estado e entre os partidos as estratégias são construídas a partir da contabilização de futuros votos e da busca de uma manutenção no poder, porque não a sociedade civil jogar com isso?
Sabendo dessa preocupação com a manutenção do poder e utilizando da própria necessidade do modelo democrático liberal de se legitimar, uma série de brechas pode ser identificada no sistema. Espaços de atuação da sociedade civil, a qual, ao exercer pressão e apresentar, de forma pró-ativa, as suas demandas, ao mesmo tempo em que se fortalece, corrompe os atuais mecanismos de reprodução do poder no sistema da representação política.
Gerando melhores condições de vida e descobrindo nosso próprio poder, cada vez menos dependeremos de representantes!
A impossibilidade da representação, tendo em vista a incapacidade de qualquer ser humano de responder por milhares de pessoas sem consulta prévia, e o afastamento da ação política por parte dos cidadãos/eleitores são algumas das críticas mais recorrentes ao modelo. Tais fatores são reconhecidos, inclusive, pelos defensores do sistema representativo que, contudo, justificam-se afirmando que eles são decorrentes de erros a serem corrigidos e não de falhas estruturais da democracia.
Ao longo desses quase duzentos anos, os questionamentos ao modelo representativo se aprofundaram, muitas vezes, em resposta às novas estratégias de justificação da democracia liberal. Apesar de incontáveis evidências dos graves limites da representação política, um discurso com forte penetração social ainda prevalece.
Apesar disso, vemos que, no caso brasileiro, os esforços para manutenção da ilusão democrática são cada vez maiores e mecanismos cada vez mais complexos ajudam a suportar os discursos dos supostos representantes da nação.
Dados recentes demonstram um grande aumento do investimento público em propaganda. De forma crescente, a veiculação de campanhas publicitárias nos mais diversos meios, por parte dos governos municipais, estaduais e federais se dissemina. Ao contrário do que prevê a legislação brasileira, as peças pouco cumprem sua função social de informar e educar o cidadão e servem muito mais como instrumentos de auto-celebração das gestões e dos governantes.
O ato de governar cada vez mais se resume a sustentação de um discurso midiático. Pouco importa que a educação mineira esteja falida, ou que o estado venha sofrendo com a falta de estrutura de seus municípios para conviver com as chuvas. Para se garantir a imagem de um governo coerente, um grande aparato de publicidade é montado, inclusive contando com a conivência dos grandes meios de comunicação provincianos.
Caso pior se observa em estados como o Maranhão, no qual a “famiglia” Sarney estende seus tentáculos por todos os espaços, dominando não apenas a mídia regional, mas atingindo diversas outras esferas, inclusive a oficial.
Por se falar em ligações entre políticos e meios de comunicação, o site Donos da Mídia faz um interessante mapeamento dos parlamentares e governantes possuidores de concessões de veículos de informação, de jornais a TVs. A presença de alguns nomes na lista nos ajuda a compreender a sua capacidade de manter votos apesar dos reiterados escândalos em que se envolvem e da notória incapacidade de representar os interesses dos seus eleitores.
A percepção de todo esse aparato midiático, sem dizer dos demais mecanismos que garantem a manutenção de inúmeros “currais eleitorais” pelo Brasil, nos leva a questionar até que ponto a representação política é somente um sistema ineficiente. Ou será que podemos afirmar que ela se transformou em modelo que contribui para a permanência e o agravamento da miséria de inúmeras populações?
Observando alguns casos, percebendo como atuam oligarquias regionais, como os Sarney, no Maranhão e no Amapá, notamos que o que ocorre ali é uma produção sistemática de pobreza e subdesenvolvimento, condição sem a qual a hegemonia política e eleitoral da “famiglia” estaria ameaçada.
Há ali um tênue equilibro entre sabotagem sistemática do desenvolvimento regional aliada a benefícios pontuais e de curto alcance que garantem a construção de uma ilusão de que, ainda que com medidas de eficiência questionável, o voto nos membros da “famiglia” pode representar um pequeno ganho para comunidades que tem como preocupação cotidiana a mais básica sobrevivência.
Aliado a isso, observa-se a constituição de um forte aparato que envolve incontáveis veículos de mídia, com destaque para a filial local da Rede Globo, além de ampla penetração por diversos setores. Nessa medida, os Sarney representam a versão século XXI do coronelismo brasileiro.
Casos extremos como o maranhense apenas ajudam a evidenciar nós que estão a todo o momento presentes na dinâmica da representação política. Ao se acompanhar a trajetória dos políticos eleitos, percebe-se a construção de uma série de estruturas, as quais estão pautadas nas mais variadas estratégias, da constituição de conglomerados de comunicação, passando por medidas recorrentes de assistencialismo voltados para bolsões de pobreza específicos, até a constituição de fortes vínculos com o setor empresarial, o qual contribui com vultuosas quantias – por dentro e por fora – durante as campanhas.
Para os defensores do sistema democrático liberal, esses são desvios do processo. Na minha opinião, eles são a regra. Frente à impossibilidade da representação, a opção dos partidos na luta pelo poder é a de constituição de diferentes estratégias de conquista de voto.
Frente a isso, o que fazer? Que papel caberia a sociedade civil nesse jogo de interesses?
Creio que, antes de tudo, fazer-se representar a si mesma. Tomar as ruas, criar seus próprios mecanismos de comunicação, interferir nos veículos midiáticos já existentes, criar suas próprias soluções para seus problemas... E, porque não, reverter a ilusão da representação política a seu favor.
Se entre os setores do estado e entre os partidos as estratégias são construídas a partir da contabilização de futuros votos e da busca de uma manutenção no poder, porque não a sociedade civil jogar com isso?
Sabendo dessa preocupação com a manutenção do poder e utilizando da própria necessidade do modelo democrático liberal de se legitimar, uma série de brechas pode ser identificada no sistema. Espaços de atuação da sociedade civil, a qual, ao exercer pressão e apresentar, de forma pró-ativa, as suas demandas, ao mesmo tempo em que se fortalece, corrompe os atuais mecanismos de reprodução do poder no sistema da representação política.
Gerando melhores condições de vida e descobrindo nosso próprio poder, cada vez menos dependeremos de representantes!
Massa!
ResponderExcluirUma coisa: a crítica ao sistema de representação pode ser visto também, historicamente, no próprio discurso do liberalismo radical ("radical" aqui no sentido de origem),e não só entre os socialistas. E em alguns setores nos EUA isso ainda é muito forte, onde a população se envolve muito com a eleição ou escolha de um xerife ou juiz local,por exemplo, e despreza eleições de nível estadual ou nacional.
Bom, pensar democracia representativa é complicado, ainda mais no Brasil. Esses casos que você usou, dos Sarney, são paradgmáticos de dois problemas da democracia. Primeiro os limites do próprio sistema e, num segundo momento, os desvios do sistema. Ou seja, acho que são as duas coisas na verdade.
Tanto é que se, levássemos á sério o discurso liberal-democrata nesse país, pelo menos no âmbito das instituições, as coisas já melhorariam muito. Falo de uma reforma política profunda, uma reforma "agrária" da mídia, uma revolução no sistema educacional, diminuição das desigualdades...enfim, o manual liberal clássico (e não o neo-liberal, onde se vê uma autonomização da esfera econômica e foda-se o resto.)
Agora, sem forçar a barra, mas esses currais aqui no Brasil, o uso do dinheiro público, esse golpe de estado branco lá no Maranhão, a concentração da mídia pelo amor de deus, isso é resquício feudal, com doses de neoliberalismo. Ou como disse, é coronelismo do século XXI.
Por fim, concordo contigo. A sociedade civil tem que tomar as rédeas desse processo e pronto!!