domingo, 19 de abril de 2009

Para que serve a propriedade?

9 de abril de 2009. Mais um capítulo da busca por soluções para problema mundial da falta de moradia. O palco dessa vez é Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Nesse dia iniciou-se a Ocupação Dandara, uma ação popular que conta com o apoio das Brigadas Populares, do MST e do Fórum de Moradia do Barreiro. Ali, famílias procuram aproveitar uma propriedade abandonada por mais de quarenta anos, que vinha representando um transtorno para os moradores da região, devido à ausência de qualquer manutenção; e, ao mesmo tempo, proporcionar uma habitação e um espaço para a produção de gêneros agrícolas para inúmeros despossuídos.

A efetiva ocupação dessa área significará ganhos para diversos grupos, desde as famílias assentadas, que terão moradia e uma opção de produção, passando pelos vizinhos do terreno, que não mais terão de conviver com um lote baldio sinônimo de problemas, até outros sem-teto e sem-terra, que poderão, a partir dessa experiência, alcançar mais reconhecimento social para a importância de ações dessa natureza.

Contudo, o assentamento definitivo das famílias esbarra em um obstáculo, a posse daquela terra por outra pessoa e o reconhecimento por diversas esferas do poder público dessa condição. Ou seja, apesar do sabido abandono do lugar, por um lado, e da necessidade de diversas famílias da conquista de um espaço para morar e produzir, por outro, tanto o terreno como os ocupantes podem voltar à sua antiga situação devido a uma convenção social e legal denominada propriedade.

Mas será que é legítima a constituição desse cenário absurdo? Afinal de contas, para que serve a propriedade?


Esse debate é antigo... mas não tão antigo que possa ser pensado como de tempos imemoriais. A criação da idéia de propriedade tal como conhecemos é muito bem delimitada e remonta ao advento do sistema capitalista. Isso não significa que antes não havia a idéia da posse, que as pessoas não tinham suas casas ou suas terras, mas a forma como elas se relacionavam com elas eram diversa.

Ao contrário do que muitos possam acreditar hoje, a constituição da propriedade privada não foi algo visto como natural pelos homens da época. A muitos, por exemplo, parecia estranha a idéia de que uma floresta que até então era área comum, de onde se retiravam recursos, passasse a ser propriedade de alguém e se tornasse interditada aos demais. Foi apenas a base de uma rígida legislação que chegava até mesmo a condenar a morte alguém que recolhesse alguns feixes de lenha que se constituiu, na Inglaterra, a idéia de que os bosques tinham donos.

Ainda hoje parece absurdo imaginar que alguma porção de terra seja propriedade de alguém que passa anos sem ao menos visitar o lugar, sem ao menos realizar ali uma capina ou qualquer cultivo. Qual o sentido de se interditar uma área à ocupação ou à utilização de outro? Em muitos casos, tal espaço preserva densa vegetação, ou possui algum curso d’água, ou mesmo representa uma área de lazer para os habitantes locais... mas e quando nada disso acontece? Qual a justificativa social para que um espaço seja inacessível, especialmente quando há uma reconhecida necessidade por habitação e espaço para produção, especialmente a de subsistência.

Bom, a resposta padrão para tal pergunta é “o direito de propriedade”... algo que soa estranho... como tal direito pode se sobrepor a outros? Ao “direito à habitação digna”, ao “direito à sobrevivência”... ao que parece o que é moralmente correto nem sempre é o que é legalmente aceito... deve ter sido por essas e outras que alguém disse um dia “A propriedade é um roubo!”.


PS: No dia 20 de abril, a Ocupação Dandara conseguiu uma importante vitória com a suspensão da reintegração de posse. O que mostra que, ainda que minimamente, o absurdo da especulação imobiliária vem alcançando reconhecimento social.

2 comentários:

  1. Boa questão! Mas o que me desanima na merda desse país de lixo, é que poderíamos resolver essa questão, por exemplo, sem nem mesmo precisar recorrer ao questionamento do princípio da propriedade privada. Está lá na Constituição Federal de 88: "A propriedade atenderá à sua função social" (art. 5º, XXIII), logo após inciso que garante a propriedade privada. Ambas no âmbito dos direitos fundamentais. E no artigo seguinte, o 6º, está estabelecido o direito a moradia. Então...o que éque falta?!

    Em suma, pra resolver essa questão, tem0se que ir além e não só questionar a propriedade como muitas outras coisas também.

    Total apoio à Ocupação Dandara!!

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  2. Concordo com a questão prevista em lei sobre a necessidade de cumprimento da função social da propriedade. Mas aí se coloca uma outra questão, a da legitimidade ou não da especulação imobiliária e a aceitação legal e social dessa prática.

    Infelizmente temos de reconhecer que para os tribunais e, até mesmo, para uma parcela significativa da população, isso é algo considerado legítimo.

    E esse reconhecimento social e legal desse e de outros tipos de utilização do espaço, que sob um certo ponto de vista são moralmente inaceitáveis, ocorrem, em grande medida, devido à idéia de propriedade que tornou-se hegemônica.

    Inegavelmente essa noção está associada a diversas outras, que são a base de justificação da atual organização social.

    A importância de ações como a Ocupação Dandara é que revelam o absurdo dessa prática de especulação, assim como propõe usos socialmente e eticamente mais justos do espaço. Além disso, a perpectiva de um assentamento ao mesmo tempo rural e urbano nos leva a questionar as opções escolhidas e pensar em outras possibilidades de constituição do tecido urbano.

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