sexta-feira, 15 de maio de 2009

Amamos muito tudo isso!



Dos grandes templos às humildes vendas.

Amamos muito tudo isso.

Amamos.

No luxo extremo vemos as Grand Magazines.

Locais esmerados onde prevalece o topo da cadeia alimentar do consumo.

Os Shoppings Zonas sul, onde são todos loiros, até as garçonetes, até as seguranças, inclusive as moças que cuidam da faxina. É o sonho nórdico, as indiscretas atualizações da ideologia nazista. É para lá que os burgueses afluem, levando suas companhias, naqueles templos do efêmero salários mínimos são gastos em intervalos de minutos.

As belas vendedoras, que atendem tão educadamente os barões e as baronesas do capital, sempre sorriem. Mas no fundo daquela gentileza há um ódio infinito e secreto, silencioso.

Amamos muito tudo isso.

Há alguns requisitados restaurantes Class A cujos atendentes ficam às portas do estabelecimento em dias de chuva, portam guarda-chuvas para assegurar que os clientes (Deuses) não se molhem. Os garçons se encharcam, mas preservam a integridade dos consumidores. Um nobre francês do século XVIII sentir-se-ia em casa nesse lugar.

Amamos muito tudo isso.

Nos shoppings populares as pessoas se esmagam na busca sísifa pelo nada e pelo nenhum. O novo aparelho de celular é comprado, consolo momentâneo para o baixa renda que busca no mercado pirata a consumação do seu sonho consumista. Meses depois estará novamente insatisfeito. O aquecimento da economia agradece.

Amamos muito tudo isso.

O capitalismo é bom. Inerente ao homem. O ser humano tem predisposição para a atividade comercial direcionada ao lucro. Essa teologia tinha seu charme no setecentismo, trajando vestes iluministas e prometendo a emancipação perante o intervencionismo absurdo das grandes cadeias de poder. Seus prosélitos agiram de boa fé, divulgaram aos quatro cantos do mundo as benesses do capitalismo.

Diziam pacientemente para os nômades africanos, e em voz até infantilizada, que livre comércio era o único caminho para a felicidade. Convenceram os chineses de que a única sacralidade digna de nota seria a libra esterlina. Abordaram os aborígines da Oceania e discorreram sobre a relevância existencial do ato de comprar e vender.

Divulgaram o evangelho do lucro e prometeram a felicidade. Nada sabiam sobre a destruição do bioma, a extrema exploração dos menos válidos e da crise existencial inerente ao ato insano do consumismo.

Agiram de boa fé, ainda que com uma malícia experimental. Séculos mais tardes, desacreditados por catequizadores bem mais engajados e articulados (homens barbudos, sisudos, com lenços e polainas vermelhos), acabaram por se tornar menos elegantes em suas argumentações. Alteraram o discurso, não se tratava mais de uma busca pela felicidade, mas sim de uma imperiosidade da história, uma tecnicidade, entregar-se ao capital não era uma escolha, mas uma obrigação.

A romântica inocência dos adeptos da Escola Clássica deu lugar ao sarcasmo amargo dos neoliberais. Alguns descobriram a futilidade de se dialogar com os mineiros, tornou-se mais viável ignorar seus lamentos.

Por algumas décadas eles reinaram, e a cada gemido do mundo arrotavam. As cifras estavam a seu favor. Porém, o tempo das vacas magras chegou, alguns mortos acordaram, fantasmas ameaçadores passaram a visitar os sonhos dos que nunca choram.

Os neoliberais se ajoelharam perante o panteão e imploraram pela intervenção: “Ex Machina, ajude-nos”. Foi um lampejo, mas o suficiente para que perdessem a compostura. Sentiram-se envergonhados, tal qual o apaixonado que por um rompante romântico declara o amor para uma indiferente dama.

Constrangimento. “Tudo segue como antes”, disseram, “o mercado é nosso guia, confiem nele, ele nos guiará à felicidade”. O mundo olhou com um ar incrédulo e reprovador. Ficou evidente a covardia e a inépcia desses pastores, desses condutores de almas. Mais do que nunca estão solitários. O ódio de muitos se volta contra eles. Há um olhar homicida dos pobres, do primeiro e terceiro mundo. Os enganados, os despejados, os famintos, os que fedem a mijo, eles querem acertar as contas, querem tudo que foi prometido. Alguém disse carnificina? O Alto Clero do capitalismo está aterrorizado.

Amamos muito tudo isso.

6 comentários:

  1. Outra esporádica contribuição de Davi Oli ao blog... e o cinema fica para uma próxima...

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  2. A segir:"a porra da buceta é minha e eu dou para quem eu quiser" uma estética anti-burguesa?

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  3. Isso me lembra muito o Clube da Luta e seu projeto Caos...

    O movimento pode não estar visível, mas muito ressentimento vem sendo acumulado ao longo de todos esses séculos. Ainda que, aparentemente, o trabalho, o consumo e os demais valores norteadores do capitalismo pareçam estar quase totalmente naturalizados, muito ódio tem sido produzido pela exploração e humilhação dos subalternos. O dia em que o sistema deixar de conseguir convencer a todos de suas promessas de felicidade... bom, aí muitos ficaram aterrorizados.

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  4. Só uma coisa meus caros! Ódio e ressentimentos reprimidos, quando extravasados para a esfera da política, SEMPRE acaba em merda! Das grandes. Vocês sabem disso.

    Me coloco dentro do seu grupo dos aterrorizados Rajão!

    E o humanismo aí? Vai pra lata do lixo!!

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  5. Mas quem falou que não daria merda. Quem falou que seria uma coisa boa.

    O lance é esse, o que parece muito pacífico acoberta um estado de fomento de ódio e ressentimento prestes a explodir.

    Em momento nenhum foi dito que isso seria algo bom.

    Mas é uma realidade, para toda ação há uma reação...

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  6. Na verdade ninguém nem disse que daria merda ou que não daria! Ficou meio aberto no seu comentário.

    Agora, como e por onde reverter isso? Algum de vocês consegue ter uma perpsectiva de esperança disso tudo aí?

    Falô!!

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