quinta-feira, 30 de abril de 2009

O Trabalho Liberta! Será mesmo? (parte 01)


Trabalho e Consumo. São os dois nós que detonam a possibilidade de uma sociedade mais justa, autônoma e sustentável. E nesse fatídico 1º de maio, em que a sociedade do trabalho se vê numa de suas piores crises, pretendo fazer um exercício de desconstrução desse que consiste no maior e mais bem enraizado absurdo tido como óbvio: o Trabalho (em outra ocasião discutirei a questão do consumo).

“Mas como assim? Como poderia o trabalho ser um empecilho à uma sociedade virtuosa? Ele é o nosso próprio ser! O que seria de mim sem o trabalho? É o centro de referências da minha identidade! É o que me mantém! É o único caminho possível para a felicidade!”

Nos primeiros contatos com textos que fazem uma crítica radical ao trabalho, não compreendi bem qual era ponto. Parecia coisa de vagabundos que queriam ficar à toa o dia todo, ou de intelectuais de gabinete que ganhavam 10.000 e ficavam pensando em merdas ao invés de fazerem algo que prestasse. Mero engano...a pretensa ‘indispensabilidade do trabalho’ é algo tão assentado em nossas vidas, tão intocado no mais profundo de nosso ser, que a primeira sensação de crítica a ela surge como um sacrilégio. Mas pensemos com mais calma...

Se no século XVI, um cidadão europeu chegasse para sua esposa e dissesse: “Será mesmo que Deus existe?” Muito provavelmente as conseqüências disso seriam 1)“Meu marido está louco” (dado ser pergunta sem o mínimo sentido naquela ocasião) e 2)Fogueira. O tempo passou, vieram o Movimento Iluminista, a Razão e o Humanismo e, depois de muitos assassinatos, torturas e perseguições, a idéia de um Deus como razão de nossa existência foi por água abaixo. Não estou fazendo aqui uma ode ao ateísmo, mas apenas colocando que, no mundo moderno, Deus ocupa só o espaço da porta da sua casa pra dentro, ou seja, ele deixa de ser algo totalizante, que explica, julga e governa a todos.

O problema disso tudo é que a “morte de Deus” não deixou a humanidade mais livre, já que o homem moderno criou para si outro deus, que substituiu o recém chutado: o Trabalho.

No mundo moderno, que habitamos, o Trabalho virou algo portador de um fim em si mesmo. Você trabalha porque...tem que trabalhar uai! Inicialmente, lá nos idos dos séculos XVII até o XIX, isso não era normal, de forma que foram necessários, novamente, assassinatos, torturas e perseguições, para que fosse aceita a férrea disciplina do trabalho voltado para a produção de excedente, a privatização da terra e das fábricas e a conversão dos camponeses ligados à terra em mão-de-obra barata, disciplinada, obediente e idiotizada – como somos hoje, idiotas!

O ponto central da crítica é o seguinte: trabalhamos, trabalhamos e trabalhamos pra gerar acumulação e valor somente (e isso acontece tanto no paraíso capitalista do consumo inveterado, quando no inferno comunista/socialista das planícies russas e chinesas ou dos charutos cubanos). E pronto! A ligação dessa produção com nossas reais necessidades e com uma relação decente junto ao ecossistema não importa em nada! A roda da economia tem que continuar girando e foda-se todo o resto!

As grandes cidades estão inviáveis. O infeliz perde 4 horas diárias da sua vida, durante 40 anos, indo e voltado do seu emprego (onde produz cabeças de alfinete), e acha isso normal. Não se consegue deslocar e nem respirar; a morte por atropelamentos é a terceira em quantidade no mundo; blocos de gelo com 8 vezes o tamanho de São Paulo se soltam da Antártida e, no fim do dia, assistindo ao Jornal Nacional ouvimos: “O Brasil já pode comemorar, a produção de carros está voltando a crescer e novos postos de trabalho foram criados. A crise vai passar.”! Vai passar!?! Que miopia é essa!?! Estamos no olho do furacão!! E achamos toda essa merda normal!! Isso é o que mata!!

Essa é uma lógica cíclica, idiotizante, que o Estado e o detentores do Capital, com anuência dos Sindicatos de trabalhadores que, dizem, proteger nosso direitos, criaram para se sustentarem. Pense comigo, Estado e Capital, na verdade, se legitimam administrando uma crise que eles próprios criaram. Quer exemplos? As sociedades indígenas clássicas, sem Estado, não conhecem o conceito de ‘fome’! Quem gera a violência do tráfico não são os usuários, mas a proibição do consumo veiculada pelos poderes públicos e privados! Nunca uma política de limpeza étnica poderia chegar ao grau de eficiência que muitas chegaram no século passado, e ainda nesse, sem o apoio de imensas máquinas estatais e bélicas que fragmentam e financiam todo o processo, e por aí vai.

Vivemos no mundo do trabalho alienado, sem finalidade fora de si, sem apego com as nossas vidas reais, sem um sentido realmente legítimo e justificável...produz-se, mais e mais e pra quê? Só pra eu ter a liberdade de escolha entre 15 marcas de sabão em pó na estante do supermercado!! Grande merda!! Ah, e claro, pra que possamos escolher o tarja preta mais forte de todas, a fim de nos mantermos dopados, já que é muito difícil encarar de cara limpa essa vida medíocre e insignificante que levamos: de bater ponto e viver em engarrafamentos.

Por mais que, lendo esse texto, continue me achando um otário, tenho certeza de que no íntimo você sente que o trabalho é uma praga. De que já imaginou a sua vida sem essa prisão...todos sentimos isso! O trabalho é tão desapegado dos nossos anseios, que é comum ouvir dizer que, quando o alarme toca às 6 da manhã, o corpo vai pro serviço, mas a alma fica em casa. É Marx que fala isso de forma convincente:
O trabalhador só se sente consigo mesmo fora do trabalho, enquanto que no trabalho se sente fora de si. (...) Seu trabalho, por isso, não é voluntário, mas constrangido, é trabalho forçado. Por isso, não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer necessidades exteriores a ele mesmo. A estranheza do trabalho revela sua forma pura no fato de que, desde que não exista nenhuma coerção física ou outra qualquer; foge-se dele como se fosse uma peste. (Marx, 1844)
Agora, em que se particulariza esse momento que vivemos? O ponto é que a sociedade do trabalho chegou ao seu extremo. Mesmo assim, só pensamos em sair da crise criando mais empregos! Nunca estivemos tão longe do pleno emprego, estamos sendo acostumados a viver vidas extremamente instáveis, medrosas e incertas. Não se consegue planejar a vida pra além de meses! Você tem que aceitar qualquer emprego, mesmo sendo o mais infundado e degradante, pois só é visto como ser humano se tem um “trabalho digno”.
Mesmo passando por esses perrengues, somos escrotos e burros a ponto de afirmar que quem não trabalha não merece comer nem viver – pois ninguém quer pagar bolsa família para ‘vagabundos’. Conforme está no ótimo Manifesto Contra o Trabalho, do Grupo Krisis: “O incômodo do ‘lixo humano’ fica sob a competência da polícia, das seitas religiosas de salvação, da máfia e dos sopões para pobres.”. Só porque alguém tem um emprego de merda, sente-se mais digno do que o resto. Nessa lógica, atiramos em nosso próprio pé, pois quem não trabalha é considerado supérfluo, refugo, falha do projeto, devendo ser tirado de circulação, colocado bem distante dos nosso olhos burgueses, deixados para fora das fronteiras, encarcerados em prisões ou albergues lotados e imundos do governo – não precisando de nada mais do que um investidor em ações acordar de mau humor pra que você perca seu lindo empreguinho. Sem contar o inferno que tem que suportar durante toda a vida pra manter essa aparências das coisas.

Mas a questão é que ninguém percebe que se deve lutar contra essa sociedade do trabalho: direitas e esquerdas, governo e oposição, sindicatos patronais e laboriais...todos querem injetar gás na máquina e gerar outro ciclo de expansão e crescimento das força produtivas. Quase tudo justifica a procura ou a criação de novos postos de trabalho, por mais ridículas, constrangedoras, socialmente inúteis e desprezíveis que estes possam ser...o que vale é estar ocupado e a manutenção da “roda da economia” funcionando.

Isso acabou! O meio ambiente está prestes a explodir, não há mais para onde os mercados expandirem e, para manter a roda do consumo, escraviza-se cada vez mais o trabalhador a fim de se conseguir produtos baratos. (Para você melhor entender essa crise, leia o tópico 11 do Manifesto Contra o Trabalho, disponível para download no fim do post).

Agora, não sejamos cínicos. A crítica à ideologia do trabalho deve se fundamentar numa perspectiva não só realista, mas também prática. Primeiro, não devemos esperar que as pessoas, amanhã, deixem de ir trabalhar. Todos estão presos a essa lógica, dependemos dos nossos empregos de bosta pra viver. Deixamos que as coisas chegassem a esse ponto, e desconstruir isso vai doer! Temos que refazer a economia sob outros princípios, voltados não para o atendimento dela mesma, mas sim das nossas necessidades materiais e espirituais reais. Por favor, posso ser um otário, mas não duas vezes...o fim do trabalho, como entendemos, não significa o fim da interação homem X natureza...isso é impossível! Sempre será preciso plantar, construir e o caralho...A questão é re-significar essa relação, acabando com o trabalho por si mesmo...alienado!

Abre-se aqui espaço para a discussão de novas estratégias, criemos formas embrionárias de emancipação social contra as forças sugadoras do Capital e do Estado (aquelas podem nascer como cooperativas autogestionárias de educação, moradia, saúde, alimentação etc., a própria pirataria, que tanto defendemos aqui no Blog do C.I.S.C.O., é uma nova forma de lidar com os produtos culturais).

As lutas defensivas dos trabalhadores, ainda internas ao sistema, não devem ser abandonadas, pois alienaríamos a própria crítica do trabalho das condições atuais dos trabalhadores. No entanto não devemos parar aí, mas conectá-las num movimento de recusa do trabalho também. Como poderia isso ser feito? Alguns falam em um reforço temporário do próprio Estado por meio de pressões mais profundas da sociedade civil, seria esse um caminho? Vamos discutir!

*-*-*

Aqui encerro a primeira parte desse post, pois já está ficando demasiado grande! Como você pode ver na seção “Quem Somos”, uma das prerrogativas básicas do C.I.S.C.O. é ir além da crítica pela crítica. Portanto, na segunda parte desse post, falarei de estratégias práticas, reais e atuais, que vêm sendo feitas nesse sentido de crítica ao trabalho.


Saúde e Anarquia!!

Grupo Krisis – Manifesto Contra o Trabalho

Grupo Krisis – Manifesto Contra o Trabalho em Mp3

Um comentário:

  1. Muito boa a imagem!

    E é isso mesmo. Talvez em muitos outros poucos casos os discursos sobre um tópico sejam tão únivocos de um ponto ao outro do espectro político.

    A crença no trabalho atinge hoje níveis preocupantes, ainda que alguns sinais de crise da organizaão atual sejam dados.

    Momentos de crise são sempre momentos de dúvida... e às vezes o que está por vir é bem pior do que o que está aí... todo cuidado é pouco.

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