sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Viva Zapata! (Parte 03)



De acordo com pesquisas de opinião, os Zapatistas são visto com simpatia por grande parte da sociedade mexicana, algo de extrema importância para um movimento social na atual era informacional. Basta pensarmos o quanto movimentos como o MST, pra ficar no exemplo mais óbvio, seriam muito mais fortes e determinantes do rumo político do país se a situação deles fosse semelhante àquela. Infelizmente, por diversas razões que não cabem aqui, parece que estamos cada vez mais longe dessa realidade.

Em 1995 foi feito o primeiro de numerosos plebiscitos, em todo o México, questionando, entre outras coisas, a possibilidade do EZLN vir a se tornar uma força institucionalmente constituída e se aliar a outros grupos a fim de construir uma frente ampla de oposição. A consulta foi favorável à idéia, mas por pequena margem. Mesmo assim, os Zapatistas decidiram não largar as armas enquanto as negociações não avançassem. A institucionalização não saiu e o EZLN manteve-se longe dos poderes constituídos.

Abaixo, as perguntas feitas à população por meio da Primeira Consulta por la Paz y la Democracia (1995). São constantes os plebiscitos organizados pelo EZLN:

Segundo o sociólogo M. Castells, o EZLN pode ser visto como o primeiro movimento de guerrilha informacional, por ter como munição primordial não as balas de AK-47 ou de fuzis, mas sim o uso inteligente da informação numa sociedade…de informação. Castells cita especialistas que já previam a possibilidade desse tipo de contestação via “guerra informacional” desde o início da década de 1990: “Cada vez mais, as forças do futuro podem consistir de redes multiorganizacionais amplamente difundidas e desprovidas de uma identidade nacional particular, que aleguem terem como origem a sociedade civil, e incluam grupos e indivíduos agressivos, ardorosos defensores do uso de tecnologia avançada para a comunicação, bem como para a munição.”

A partir da VI Declaração da Selva Lacandona em 2005, a última delas até então, uma nova fase é inaugurada no zapatismo. A FZLN é dissolvida, sendo criada a chamada “La Otra Campaña”, atuante até hoje, onde se busca escutar todo o povo mexicano e de quaisquer lugares no contexto das mais diversas organizações ou fora delas. A idéia é buscar uma aproximação com todos grupos excluídos e à esquerda, que tenham como base o anti-capitalismo, o horizontalismo entre outros valores a serem melhor definidos no andamento do processo. Fica explícito, no documento, o distanciamento dos três principais partidos do espectro político oficial mexicano, criticados asperamente por Marcos, que também afirma que a construção de um novo projeto para o país passa muito longe do apoio a qualquer uma das chapas. A coligação contas com cerca de 334 organizações sociais e mais 136 grupos indígenas só no México.

Atualmente, não saberia citar outro caso tão bem sucedido de organização de um movimento social que luta, por demandas históricas. Tudo isso num contexto de globalização, descrédito de tudo o que não vá ao encontro das teses neoliberais, acirramento dos conflitos “tradição X modernidade”, da proclamação do fim das esperanças e das grandes narrativas libertadoras, da radical fragmentação das identidades, da sociedade informacional de rede, e de imposição de um clima de “fim da história” – onde não resta nada a ninguém, a não ser estudar, trabalhar, ser um empregado disciplinado e um consumidor responsável e exemplar ‘para subir na vida’. De acordo com esse discurso, nada restaria aos camponeses indígenas Zapatistas, dado que estão isolados demais para ter sua força de trabalho barata explorada, bem como pobres o bastante pra não serem considerados como um mercado consumidor em potencial.

É bastante claro que o Zapatismo não se resume numa ideologia. Alguns dizem que é uma Intuição. Nesse contexto, é interessante perceber que os Zapatistas têm uma preocupação com os efeitos do neoliberalismo em outros locais do mundo, mas sabem que a resposta dada aos seus problemas é fato essencialmente ligado à sua historia e situação. O Zapatismo lança a questão: “O que é que me exclui?”, “O que me isola e segrega”, sabendo que as respostas à esses problemas variam de lugar para lugar e de tempos em tempos. Ciente disso, o Subcomandante Insurgente Marcos estabeleceu a seguinte máxima Zapatista: “Todos nós somos iguais porque somos diferentes”. E na medida em que o Zapatismo se apresenta como uma ‘Intuição’ disforme, que dribla rótulos simplificadores e fechado, é que mostra o seu potencial transformador e adaptável às mais diversas realidades. Foca-se, exclusivamente, a sociedade civil organizada, a construção do poder de baixo para cima.

Aqui Marcos reforça essa idéia, ao abordar particularidades da organização dos municípios que fazem parte do movimento junto de visitantes que foram a Chiapas ver deperto o que estava acontecendo na Selva: “Além de nossa aversão ao poder, há outra característica essencial do Zapatismo – que vocês conhecerão aqui, nessa visita, ou se tiverem contato com os Conselhos Autônomos e com as Juntas de Bom Governo (...) nós Zapatistas renunciamos a qualquer tentativa de hegemonizar e de homogeneizar a sociedade. Não queremos um México zapatista, nem um mundo zapatista. Não queremos que todos passem a viver como se fossem indígenas de Chiapas. Queremos viver num lugar, aqui, nosso lugar. Que nos deixem em paz. E que ninguém tente mandar em nós. Assim entendemos a liberdade: que nós decidamos o que queremos fazer. E pensamos que isso só é possível, se outros, como nós, desejarem o que desejamos e lutarem pelo que lutamos. Isso é o que La Otra Campaña quer construir. Isso é o que a 6ª Internacional deseja ser. Um encontro de rebeldias, uma troca de saberes e uma relação direta, não midiática mas real, de apoio entre grupos.”

Guga Dorea, cientista político e jornalista brasileiro, pesquisador do Projeto Xojobil, que possui uma série de produções sobre o EZLN, enfatiza esse caráter inovador proposto por Marcos: “Como têm dito insistentemente os zapatistas, não importa quem esteja no poder. Não se trata também de pensar que um suposto voto consciente venha redimir a já falida democracia representativa, além de imaginar que uma simples mudança revolucionária no tabuleiro do xadrez traga a redenção na terra. O fundamental é que a sociedade civil esteja sempre alerta e resistente. A transformação social (...) só virá com a organização autônoma dos "de baixo" e não com "os de cima" – os que se proclamam detentores de uma verdade dogmática inquestionável e irredutível, apontando para uma inexorável luz, muitas vezes profética, no final do túnel.”

Mas, a despeito de questões teóricas e filosóficas, em que pé anda a situação do EZLN?

Em 2006, um dos candidatos à presidência no México, Lopez Obrador, do PRD, procurou fazer uma ampla frente de oposição aos tradicionais partidos de direita que vinham governando o México há cerca de 80 anos: o PRI e o PAN. Alguns analistas colocaram que a formação desse bloco chegou a eclipsar o EZLN como a principal força de oposição esquerdista no país. A sensação de esperança e redenção cresceu bastante no México, e os ânimos ficaram muito animados em torno de Obrador. No entanto, houve um áspero debate sobre a possibilidade dos Zapatistas apoiarem a aliança,no que, certamente, selaria a vitória do PRD. O apoio não saiu, e Obrador perdeu as eleições por uma margem de pouco mais de 0,5% dos votos – lembrando, ainda, a comprovação de uma série de fraudes no processo eleitoral, mas tudo acabou em pizza.

A crítica que foi feita aos Zapatistas, é que eles teriam perdido a oportunidade de, pela primeira vez, fazer com que um partido de esquerda assumisse o poder. No entanto, as justificativas do Subcomandante Marcos resgataram razões bastante interessante para não apoiar a aliança. Em 1996, quando das primeiras negociações entre o governo e os então recém sublevados de Chiapas, as promulgação de uma série de leis que protegeriam a zona autônoma zapatista, bem como criaria uma série de direitos para os povos indígenas, foi vetada no congresso nacional justamente com apoio de quem? Isso mesmo! Lopes Obrador e o PRD. Além disso, Marcos se referiu a entrevistas cedidas por Obrador durante a campanha onde ele assegurava a continuidade da política macroeconômica no México.

Na verdade, desde 2001, quando se deu uma completa desvirtuação em relação a outro projeto que seria votado a fim de estabelecer a chamada Lei Indígena no Congresso Nacional, o EZLN rompeu definitivamente as linhas de diálogo com o Estado – o que só ficou mais claro com a rejeição ao apoio à candidatura de Obrador, bem como a todo sistema político partidário mexicano.

O problema é que o EZLN acabou sendo acusado de fazer o jogo da direita e, na prática, foi isso que acabou acontecendo. Ouviu-se até o boato de que a cúpula zapatista estava rachada sobre essa questão do apoio ou não a Obrador. Inicialmente Marcos se posicionou a favor do voto nulo ou da abstenção eleitoral mas, depois das críticas, chegou a fazer referências à importância da população ir às urnas. Essa nova postura levou uma aproximação entre eles e uma série de outros movimentos sociais, indígenas inclusive, que antes mantinha reservas acerca postura dos autonomistas de Chiapas. Na verdade não chega a ser uma posição ‘anti-zapatista’ desses movimentos, a querela é mais voltada à questão tática propriamente dita. Pois segundo líderes desses outros movimentos, a chegada do PRD ao poder poderia significar uma diminuição das pressões sobre os movimentos autonomistas, abrindo margem para que estes ampliassem e melhorassem suas bases de organização. É uma jogada polêmica e incerta, basta ver que no caso de alguns países sul-americanos onde as esquerdas – pelo menos no nome – chegaram ao poder, viu-se muito pouco progresso em relação às questões sociais, pra não falar até de um certo enfraquecimento e fragmentação das esquerdas.

Nesse sentido, continua forte os movimentos pela La Otra Campaña em prol de uma aproximação com outras forças prezando pela reformulação do sistema político, pela confecção de outra Constituição, pela autonomia dos povos e por um poder construído de baixo. Dessa forma, mantêm-se as práticas originárias do movimento: “As comunidades criam seus próprios programas de educação, de saúde, de comercialização, constituindo pequenas mercearias e cooperativas. Não aceitando o dinheiro nem os projetos do governo, elas definem de maneira crítica seu tempo contra a mercantilização, enfrentam o discurso da mundialização por meio das lembranças e lendas indígenas.” Foi feita a opção pelo poder local, mas até que ponto, no modelo em que vivemos hoje, isso não acaba correspondendo a um martírio para as pessoas que fazem parte do movimento? Como lidar com centenas de pessoas miseráveis sofrendo com os boicotes e bloqueios, de várias naturezas, impostas pelo governo.

No entanto, apesar de tudo, é indiscutível que o discurso Zapatista, para além das montanhas de Lacandona, perdeu um pouco do fôlego. Sem contar que passa, agora, por um certo isolamento dentro do próprio México, pelo menos no quesito solidariedade porque, no que toca à repressão, essa ainda é constante tanto por parte das tropas federais quanto dos grupos paramilitares que, não raro, atuam conjuntamente. Teria o EZLN perdido uma oportunidade? Ou de fato a manutenção de sua proposta foi algo mais válido? Essas são perguntas do mundo político difíceis de se responder. O que será que vale a pena?

Em suma, pode-se afirmar que não existe hoje outra iniciativa vitoriosa como a que vimos, que questiona tão profundamente não só os elementos centrais do capitalismo, mas também toda uma tradição do que significa, e por onde caminha, a história em nossos tempo.

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No próximo post disponibilizarei uma série de links interessantes sobre essa questão, e que me foram bastante úteis na elaboração desse texto.

3 comentários:

  1. A grande sacada do EZLN foi perceber que política é fazer cotidiano. Pode parecer algo óbvio, mas a esquerda clássica, e aí incluem-se todas as frentes, dos autoritários aos libertários, não mostra-se capaz de perceber isso e acaba a se atendo a modelos e teorias criados em outros tempos, em que questões muito diversas estavam postas. Esses sistemas, via de regra, apresentam visões universalistas e totalizantes da realidade, a qual, como observamos no nosso dia-a-dia, é cada vez mais fragmentada e amorfa. Tudo isso nos impõe uma necessidade de cada vez mais entender a política como fazer.

    A visão da EZLN, contudo, não se restringe a isso. Além de pensar a política como fazer, eles tem a compreensão de que a meta principal não é a busca pelo poder, especialmente em sua forma institucionalizada. Justamente porque a política é fazer, eles são capazes de perceber que essa busca colocada como objetivo a priori mina a maior força do movimento, a construção cotidiana de laços de solidariedade e a constante reflexão sobre sua práxis política.

    A experiência do EZLN, ainda que não tenha um futuro exitoso, por si só é uma das mais impressionantes do ponto de vista dos movimentos sociais que buscam alternativas ao modelo capitalista e, especialmente, à organização política que esse desenvolveu a partir da coalização entre Estado e Poder econômico.

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  2. Quando diz que o EZLN não terá um futuro exitoso, o que quer dizer exatamente? Por que?

    Como está no post, e como vi em outros analistas, o México é o país que mais levou ao pé da letra a cartilha neoliberal americana e hoje chegou onde chegou. À população pobre mexicana resta apenas tentar atravessar a fronteira do Rio Grande ou tentar a vida nas redes do narcotráfico. Vê-se que o méxico é um barril de pólvora prestes a explodir.

    ALguns dizem que no ano que vem, quando haverá eleições presidenciais lá, será um momento nodal tanto pro estado mexicano quanto pro EZLN. Você acha que dessa vez eles deveriam voltar Às negociações com forças institucionais e apoiar a frente ampla da esquerda? Fico pensanso muito sobre isso...o não apoio pode significar a pá de cal sobre eles...mas a vitória da frente esquerda também, ou não?

    Êta mundinho complicado!!

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  3. Não afirmei que o EZLN não terá futuro exitoso... isso é incerto... disse que ainda sim, mesmo que não se mantenha, já terá sido uma experiência excepcional...

    Sobre a posição que tomarão... acho que realmente estarão em uma sinuca de bico... qualquer opção que fizerem será complicada para a continuidade do movimento... é provavel até que daí surja uma cisão... mas é um desafio que, por mais traumático que seja, terá de ser enfrentado... resta aguardar e ver o que vai dar...

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