quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A Autonomia está morrendo!



Existe uma “equação filosófica” bastante esclarecedora que diz o seguinte: a quantidade de Liberdade de que goza uma sociedade – ou indivíduo – é inversamente proporcional à quantidade de segurança que aquela mesma sociedade – ou indivíduo – dispõe. Em outras palavras, quanto mais livre formos menos seguros estaremos e vice-versa.

E isso entendido nas mais diversas acepções, e não apenas na que acabou de pensar.

Por exemplo, se você for um cara concursado, que goza de um regime de trabalho seguro, bem como conta com uma certa “segurança financeira”, necessariamente, não será um cara tão livre no que toca aos seus horários, ao encaminhamento da sua carreira, às opções de trabalho, às folgas etc. – a não ser que chute tudo e abra mão da segurança. Se trabalha na iniciativa privada, ou melhor ainda, se é dono da sua própria empresa, sua liberdade amplia-se consideravelmente mas, se num dia qualquer, seu patrão ou acionista acordam de beicinho, podem te ferrar sem a menor cerimônia – segurança e estabilidade zero.

Eu sou um vagabundo, meu regime de trabalho é flexível, cumpro uma carga horária reduzida, tenho muito tempo livre pra fazer o que quiser, inclusive escrever posts para esse blog, mas a minha segurança financeira é nula, bem como frágil meu acesso aos direitos trabalhistas. O trabalho em si é um elemento de produção de segurança – pelo menos da forma como ele está organizado hoje –; o trabalho na sociedade capitalista moderna e pós-moderna é sinônimo de grilhão – ele despreza a liberdade. A liberdade que ele propicia – a liberdade restrita do consumo – é só um simulacro de liberdade, e o neo-liberalismo vem mostrando, cada vez mais, que até a segurança por ele produzida está se reduzindo a pó.

O capitalismo pós-moderno é imbecil, é autofágico, vende a própria corda que vai lhe enforcar, e nisso ainda Marx está certo. Mas calma! Não significa que a revolução proletária esteja próxima, pode continuar sentado aí na cadeira. O capitalismo vai acabar, nesse século, mas ainda vamos passar por uma fase de “Capitalismo Verde”, ou achavam que ele não se adaptaria a essa nova etapa? Como já está acontecendo aos poucos, a preservação do meio ambiente está virando um grande negócio...não, a verdadeira Sustentabilidade (diminuição das desigualdades, qualidade de vida, equilíbrio, autonomia dos povos sobre o espaço etc. etc.) será algo muito difícil de vermos concretizado. Aí sim, depois disso o capitalismo talvez acabe, e com ele arraste o que sobrar da humanidade.

Mas voltando ao ponto, os que dizem que o homo sapiens busca a liberdade estão mentindo ou enganados, bem como os que afirmam que ele busca a estabilidade e a segurança. Todos nós queremos uma amálgama dessas duas coisas, chamada Autonomia. Ninguém visa a total liberdade, eu não quero viver na total instabilidade material ou ética, portanto, quero instituições sociais que me dêem segurança. Por outro lado, ninguém deseja viver no mundo do futuro certo, do todo estabelecido antes do nascimento, onde nada deve mudar a fim de não comprometer a segurança de todos – numa hierarquia do seguro. Quero ser livre, pensar e fazer as coisas que me dão na telha, quero romper paradigmas e inovar ou, quem sabe, gozar da liberdade pra me manter da forma como sempre as coisas funcionaram. Enfim, queremos Autonomia.

Me dá preguiça certos discursos libertários ingênuos que caem na vulgata foucaultiana de que vivemos amordaçados por tudo e por todos e que só a total destruição nos libertará pra todo o sempre. Idiotice! É o tipo de palavrório que nos leva ao niilismo ético e moral e ao imobilismo, duas coisas que comprometem a Liberdade, a Segurança e, definitivamente qualquer possibilidade de Autonomia.

Autonomia é a virtude do auto-governo onde a opção por ser livre nas nossas decisões e atitudes não compromete a segurança mínima necessária pra que esse mesmo auto-governo seja possível. Autonomia é a virtude do auto-governo onde a opção por segurança não imobiliza a nós mesmo e os que estão em volta, de modo que possibilita a existência desse mesmo auto-governo na sustentação de um contexto de liberdade.

O impressionante é como chegamos num momento tão crítico quanto o atual. O medo, inverso da esperança, mata a sensação de segurança, destruindo a liberdade e comprometendo a autonomia. Se analisarmos as histórias de outras sociedades, percebemos que ora priorizavam a Segurança – a sociedade medieval –, ora a Liberdade – os primeiros momentos da colonização norte-americana, e outras, ainda, que detinham/detêm um equilíbrio invejável entre ambas, conquistando assim graus igualmente invejáveis de Autonomia – os bosquímanos na Namíbia e grande parte dos grupos indígenas sem estado da América pré-colombiana.

Mas todos foram destruídos?! Por que será?! E o que temos hoje no lugar? Uma sociedade obcecada com a Segurança, mas insegura e imersa no medo. Uma sociedade ávida por Liberdade, mas prisioneira de seus medos e preconceitos. Uma sociedade que busca a Autonomia, como todas sempre buscaram, mas que nunca se viu tão perdida nessa busca quanto agora, e que quando mais procura mais se perde – num contexto em que falar em auto-governo não passa de uma grande piada.

Todos são infelizes, todos estão infelizes. O pobre porque não tem liberdade nem segurança, o rico porque não tem ambos também. Todos escravos do trabalho morto...a Autonomia anda esquecida...como anarquistas, devemos resgatá-la!

Ainda voltarei a esse assunto...

Saúde e Anarquia pra todos!

5 comentários:

  1. Primeiro: que bom que você reconheceu que é um vagabundo!!! Assim não fico me sentindo tão culpado de chamá-lo assim! hehehehehe!!!

    Agora é sério: concordo com tudo que você disse: nossa sociedade vive imersa num falso conceito de liberdade e de segurança que gera aberrações, como os condomínios fechados que mais parecem cidades em miniatura, com todo tipo de serviços sendo oferecidos justamente para que seus moradores não tenham que viver, ou viver somente o indispensável, no mundo real. Dentro destas "ilhas de segurança" há uma certa liberdade, mas sempre vigiada, tanto pelas câmeras de segurança quanto pelos vizinhos. Como exemplo cito condomínios de casas luxuosas que já visitei em cidades grandes onde tais casas valiam 300, 500 e até 700 mil reais (em lotes não muito grandes, de cerca de 450m2) e que os moradores mal tinham liberdade para fazer um churrasco e tomar um banho de piscina, já que todas as casas são de 2 ou 3 andares e as janelas sempre dão para os quintais alheios. Ou seja, estas pessoas tinham segurança dentro dos limites do seu mundo condominial, mas isso pode ser chamado de liberdade? A meu ver, não.

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  2. Hahaha!! E o melhor de tudo é que sou um orgulhoso desse título!!

    Ótimo exemplo esse seu! Paradigmático pra enteder essa estranha dinâmica que nossa sociedade atual estabelece entre liberdade e segurança. Fico imaginando que tipo de cidadão se forma dentro dessas bolhas. Que concepção de espaço público as crianças que crecem nesses meios têm. E isso vem sendo visto como modelo de vida a ser seguido...pobre humanidade...

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  3. Enfim o medo faz com que as pessoas defendam as correntes que as aprisionam.
    A liberdade em troca da segurança o Leviatã, de Thomas Hobbes, que muitos consideravam morto apos o fim da monarquia absolutista na Europa, resurge mais forte do que nunca. O medo de morrer se sobrepõe a vontade de viver

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  4. Boa discussão...

    Sinceramente não tenho opiniões formadas sobre várias coisas, mas tenho algumas impressões...

    1) Não tenho tantas certezas sobre o futuro do Capitalismo... creio que sua análise é pertinente... mas é sempre difícil fazer exercícios de previsão... penso que o Capitalismo está num momento em que, com todos os discursos sobre sustentabilidade, vem tornando-se inviável, mas por outro lado, é incapaz de admitir isso... se antes era um sistema autofágico no sentido de se reinventar, hoje ainda mantem essa condição, contudo de maneira a se autodestruir... mas isso não passa de uma impressão... sobre isso cada vez mais me incomodo com os discursos ecológicos, que se mostram, em boa parte, completamente incapazes de perceber as múltiplas relações entre meio ambiente e sistemas sociais, formas de vida, de produção, padrões éticos, etc.

    2)Sobre a questão da atual percepção sobre as questões da liberdade e da segurança, não vejo o que acontece hoje como uma grande novidade. Entendo muito mais como o aprofundamento de um problema próprio da sociedade moderna (e aqui abro um parenteses para discordar da classificação de pós-moderno, nunca me convenci de que existe uma ruptura tão grande com o passado para justificar-se esse rótulo)do que como uma grande novidade. É só pensarmos quantas previsões sobre um futuro baseado no medo e na ausência de liberdades foram feitas ao longo do século XX e até mesmo do XIX.

    3) Por fim, creio que essa e outras discussões precisam ser incorporadas de modo mais ambrangente na reflexão socialista libertária atual. Particularmente, cada vez mais vejo que muitos anarquistas contemporâneos se atentam para a necessidade de rediscutir o lugar dessa corrente social e política nos contextos local e global... para tanto, é fundamental que entendamos que a tradição libertária nos deve servir como um guia, que garante nossa coesão em torno de princípios fundantes e fundamentais, e não como amarra, que nos tire o que de melhor temos, que é a visão crítica sobre o sistema em que vivemos e as propostas de mudança.

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  5. Me lembrei muito Hanna Arendt e sua concepção de livre-arbitrio. Livre-arbitrio difere de "liberdade", o que temos no atual sistema é livre arbitrio, é escolher entre o pré-determinado, entre um leque de opções invariavelmente restrito. Liberdade seria isso mesmo que você falou: é criação, é inovação, é projetar novas possibilidades. Talvez não mesmo o discurso foucaultiano, e esse papo de que estamos todos sendo vigiados e punidos, esse não deve ser o foco, mas a autonomia mesmo, a boa e velha autonomia.

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