terça-feira, 10 de agosto de 2010

Sociologia do Shopping Center - II

II – Dos Shoppings de luxo


O padrão nórdico deve preponderar.

Um Shopping de luxo deve, inequivocamente, compor uma ambientação que simule a possibilidade de um Brasil ariano. A mestiçagem não pode sequer ser lembrada. Os seguranças, os faxineiros, os vendedores devem se aproximar tão quanto for possível dos estereótipos da branquitude européia.

Um Shopping de luxo destina-se aos europeus terceiros-mundistas, infelizes em suas condições de párias da civilização branca-ocidental. Narcótico eficaz contra a realidade onipresente das favelas, dos mulatos, das desigualdades e das injustiças históricas. Extensão natural dos condomínios fechados e dos espaços não públicos.

Não há entradas, mas pórticos marmorizados, com singelos e obtusos seguranças de olhares dóceis e subservientes, mas atentos o suficiente para impedir o ingresso dos moleques ousados de feições pouco arianas. Não é um tapete de WELCOME que lhe espera; DO YOU HAVE MONEY? eis a expressão mais apropriada.

Com efeito, um Shopping de luxo leva ao paroxismo a promessa do consumo como potencializador de identidades: os clientes-deuses podem tudo – os assédios morais e sexuais são tão corriqueiros que nem merecem ser citados. Consumidores com semblantes contorcidos, carregados em auto-benevolência intrínseca, criaturas mesquinhas que querem fruir cada prazer disponível e, o mais estranho, fazem questão de pagar por eles. A perversão formidável do consumismo consiste no entendimento de que o gozo deve ser quitado, mas uma vez satisfeita a necessidade (que sequer é uma real necessidade) novas premências se manifestam. Perpetuum mobile do comprar e se extasiar e descartar.

Os antigos mestres-escolas se apiedavam, em suas explanações, da inocência dos indígenas que trocavam pau-brasil por bugigangas. Como esses formidáveis moralistas se posicionariam a respeito das sisudas senhoras-cheias-de-grana-de-boa-família que adquirem liquidificadores ao preço de quatro salários mínimos? Será que os nossos antigos mestres também se revelariam ingênuos para responder – tal qual nossas ilustradas madames ainda argumentam – que se paga pelo design?

Há muito mais sinceridade no posicionamento daqueles que pagam e saem calados, céticos quanto a qualquer viabilidade de auto-justificativa. As bugigangas usadas pelos nativos adornavam seus pescoços e braços, úteis para as danças e festanças do cotidiano, coerente com uma sociedade que fazia da vaidade e do amor pela vida o objetivo máximo. Já um liquidificador ao preço de quatro salários não é um liquidificador, mas sim um semióforo. Prova sua riqueza, mas não esconde sua burrice.

Ou será que nem tanto, já que nos Shoppings de alto luxo os preços seguem outra ordem de grandeza distantes da realidade? Lugar onde os preços usuais são multiplicados por cinco, com exceção dos salários dos vendedores, pois não obstante seus traços arianos, ainda são trabalhadores e merecem a exploração.

Ainda que em um nível mínimo, o Shopping é um espaço que tolera a diversidade, mas em um Shopping de luxo essa possibilidade está excluída. Deve haver uma série de barreiras visíveis e invisíveis que inviabilizem a presença dos populares.

Seus compradores são tão ricos quanto tolos, pois necessitam despender vultuosas quantias para aplacar o vazio do cotidiano e tamponar os receios típicos daqueles que são ilhas endinheiradas em um mar de miséria.

Dignos de pena ou de ódio? Merecem nossa compreensão ou zombaria?

Uma coisa é certa, não fazem parte da solução, consistem em elemento nevrálgico e incontornável do problema. E é nos Shoppings de alto luxo que encontraremos todos reunidos.

III – Dos Shoppings populares
Continua.

Um comentário:

  1. É, esse dilema é engraçado mesmo..sente-se um misto de ódio e pena...vida medíocre do caralho, mas ao mesmo tempo é ela que nos submete. Tentações explosivas de violência...como dissipá-las sem prejudicar alguém...quem vive na pele essas desigualdade mostruosas, trabalhando nesses lugares ou para essas pessoas, sofre com esse dilema...

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