sexta-feira, 13 de agosto de 2010

É Possível a Anarquia?


Gostaria de fazer algumas reflexões dispersas sobre o anarquismo como movimento social e político. Creio que devo repetir umas coisas e entrar em contradição com outras que já postei aqui, mas que se dane a coerência. Tenho a mente aberta o bastante pra não acreditar em doutrinas ou me enfurnar em orgulhos ideológicos que me impeçam de mudar de postura. Enfim, inveredemo-nos pelas trilhas dessa magnifica área do conhecimento, que é a união da ciência, da intuição e de nossos desejos contraditórios: o “Achismo”.

Historicamente o anarquismo comportou, e ainda comporta, dezenas de adjetivos mas, hoje em dia, penso que ele pode ser visto sob duas grandes perspectivas: o anarquismo tradicional e o dito pós-anarquismo, ou anarquismo pós-estruturalista como preferem alguns.

Não vou gastar tempo falando de um e de outro, mas só puxar pela memória os pontos que justificam e explicam essas duas perspectivas. Basicamente, o chamado anarquismo tradicional se fundamenta em princípios substancialistas e “bem definidos”: classe, sindicato, proletários, hegemonia, capitalismo, estrutura, liberdade (solidamente definida) etc. Vivia-se, ou vivi-se, para alguns, em tempos de harmonia conceitual: tínhamos os inimigos: Estado (burocracia) e Capital (burguesia), e os aliados: classe operária – bastava esperar o dia do grande choque para que vivéssemos no paraíso. Ele nunca veio: nem o grande choque, nem o paraíso.

Pelo lado do pós-anarquismo vemos a prevalência de princípios relativos, advogados com maior força após a crise do estruturalismo epistemológico e, socialmente falando, após o fim da Guerra Fria e o advento da globalização e da dita Sociedade em Rede. Conceitos até então muito bem estabelecidos e que tudo explicavam deixaram, de repente, de ter sentido ou servir de instrumento útil para cientistas, políticos e movimentos sociais. Vieram os tempos da fragmentação, relativização, do individualismo extremado. Mais ainda, era o fim das classes sócias, da politca tradicional, do trabalho como principal fator identitário, a pulverização das ideologias. Alguns até falaram no fim da sociedade...enfim, era o fim das verdades substanciais.

Mas aí chegamos no ponto crucial: como a filosofia anarquista se portou nesse momento turbulento? No meu entender, muito bem – pelo menos numa tendência. O anarquismo tradicional, por sua vez, se é que ainda existe para além de algumas poucas lideranças, organizações sectárias ou meia dúzia de publicações de pouca expressão, está moribundo e sofre de uma certa esquizofrenia que teima a não passar.

Mas e o lado que melhor se adaptou às novas condições? Nem por isso considero que a coisa vá de vento em popa - já esteve melhor, já contou com um fôlego maior e, aliás, o que me motiva a escrever esse texto é justamente um clima de desânimo que me toma face em relação ao dito pós-anarquismo. Clima esse que vem após momentos de grande esperança em vista das novas possibilidades oferecidas nas duas últimas décadas. Na verdade, creio que “esperanças”, ainda mais “grandes”, também são coisas de um passado próximo mas já remoto. Não há mais espaço para grandes narrativas épicas de salvação.

Na verdade vale a pena perguntar: existe alguém que quer ser salvo ou se salvar de algo? Se existir, é dever de um certo movimento libertário executar essa tarefa? Há espaço pro anarquismo enquan to um movimento que vise conquistar a hegemonia? Ou resta apenas nos contentar com Espaços de Sociabilidade Autônoma, grupelhos de discussão, paraísos virtuais e pequenas iniciativas libertárias dentro da sociedade mais ampla? Há como inserir a filosofia anarquista no âmago da sociedade, ou ela só pode ansiar em conquistar alguns adeptos na perspectiva de mais um “estilo de vida”.

Desde pequeno ouço que a Democracia Moderna é a coisa menos pior que o homem já inventou. E como historiador sei que há inúmeros argumentos pró e contra essa perspectiva. Seria isso uma jogada discursiva quer serve apenas para aceitarmos a situação? Ou há uma parte de, verdade nisso tudo, e apenas a democracia, nas suas tipologias mais tradicionais, pode nos trazer a felicidade e a paz social – mesmo que de forma torta e incompleta?

Vale a pena arriscar? Ou todo esforço não seria mais do que dar murro em ponta de faca? O atual sistema é fechado, pesado, imóvel e, frequentemente, burro...mas, por outro lado, vejo que certas garantias duramente conquistadas no decorrer da história se dão justamente em função dessa complexa máquina de pesos e contrapesos que são os estados democráticos modernos. Sem dúvida é um sistema engenhoso, grandemente limitado, mas que lentamente já mostrou algo de positivo de comparado a tempos passados.

Enfim, esse é só um texto pra pensarmos um pouco fugindo de ortodoxias filosofias e políticas. Sou grande admirador da filosofia libertária, mas cada vez mais sinto que ela se limita muito nessa dimensão. Politicamente temos o dever de sermos pragmáticos e flexiveis...chega de confundir filosofia e política. Isso a democracia moderna já mostrou, melhor do que ninguém, que a fusão das duas áreas sempre acaba em merda – por isso mesmo ela chegou “vitoriosa” até aqui. Dói assumir, mas nossos coletivos libertários só existem porque estão dentro de regimes democráticos.

Creio que a questão central não é sobre as possibilidades da anarquia. Mas sim sobre se ela será ou não desejável. E o que seria essa “nova anarquia”? Lanço aqui estas provocações, na intenção de repensar as esperanças libertárias...

2 comentários:

  1. É desejável sim...mais que nunca... Uma Nova Anarquia seria para mim, um mundo sem classes politicas, sem fronteiras, populado de aglomerados auto-sustentáveis, livremente associados com outros, gratuitamente associados pela nossa querida e muito útil rede virtual, sem desigualdades sociais, sem sistema financeiro e com total aproveitamento dos conhecimentos tecnológicos que adquirimos durante a história sangrenta que nos levou a este estado caótico (e não anárquico) em que vivemos. Redenção histórica pondo ao serviço da humanidade os conhecimentos tecnológicos que nos permitam construir em vez de destruir. Que nos libertem do trabalho para podermos questionar e criar. E não me venham perguntar quem pagaria tudo isso, porque os trilhões já gastos para salvar a banca e fazer a guerra, podem cobrir todos os custo de um período de transição que mude esta mentalidade consumista, para um modo de vida onde colaboração, inter-ajuda e paz seriam a nova mentalidade. Mas como a humanidade está na rota da destruição, a setas dos indigenas não fazem frente ás armas do invasor, e como nem os anarquistas radicais do cocktail molotoff são suficientes para subitamente interromper o curso das coisas, temo que, ainda que desejável, a anarquia seja mesmo uma utopia. Resta-nos perambular pelo planeta, ir encontrando os membros da nossa tribo astral, rir do absurdo, e entregar-nos à boémia. E sempre no maior desrespeito pela autoridade! Viva a anarquia.

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  2. Se a gente mesmo não acredita e quebra a cara tentando viver uma vida sem autoridades institucionalizadas e impostas, quem vai acreditar?

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