sábado, 30 de janeiro de 2010

Sociologia do Shopping Center

1º capítulo – Definições preliminares


I – Dos shoppings.

É a inversolândia, um esforço abissal para nos convencer de que não existe a pobreza, ou antes, esperança de que por meio de um passe de mágica ela possa se evaporar. Aquela entrada no saguão principal esconde um portal, ruptura entre mundo real e o universo do auto-engano.

A arquitetura pretensiosamente monumental (mas na maioria das vezes de muito mau gosto) intenciona criar um ambiente quase religioso, assim como em uma catedral gótica, o homem deve se sentir diminuto perante o amontoado de mercadorias existentes. Olhar para os céus, não para ver um deus austero e punitivo, mas para reconhecer o severo mandamento do contínuo comprar. O Shopping Center não é sequer atualização dos mercados que prevaleceram durante a Idade Moderna e em épocas anteriores, as trocas comerciais e o suprimento das necessidades básicas ficam em segundo plano, importa, isso sim, valorizar o processo ad infinitun de aquisição.

Aqueles limpos, vigiados e iluminados corredores perfazem itinerários para que os crentes consumidores completem suas procissões, parando em suas vitrines favoritas – relicários com objetos de adoração. O Shopping Center representa o aceite inconteste ao consumismo, o comprar se converte em ato sagrado – “aquilo que nos diferencia dos animais” – nivelador dos homens, oferece a fundamentação para uma compreensão de relação social situada em torno do vender/adquirir.

Para garantir a eficácia desses templos, a verdadeira relevância do mercado precisa sofrer uma inversão. As trocas, por escambo ou por unidades monetárias, não vieram com o capitalismo (nem mesmo se defendermos a tese da sua naturalidade e pré-existência), as pessoas não podem produzir tudo que precisam, portanto, a circulação de bens, mesmo dentro de um regime de propriedade privada, traz uma solução para esse problema.

Comprar e vender não representam, necessariamente, uma deterioração das sociabilidades humanas, acontece que no atual estágio do capitalismo, tais procedimentos ganharam centralidade nas relações sociais, tornando-se elementos fundamentais para a construção identitária dos indivíduos.

Você é o que você compra. Por isso o Shopping Center deve estimular o consumo do supérfluo. As necessidades não devem ser sanadas, somente assim o consumidor regressará continuadamente àquele ambiente. E ele o faz, não por uma coerção, mas sim pelo interesse genuíno de se integrar ao cenário; ao subir por uma escada rolante, mira-se no espelho, repara nas sacolas que trás em sua mão, sentindo-se assim um consumidor, logo, um cidadão.

O homem moderno (ou pós-moderno?) está desesperadamente só e assustado, ele busca seu semelhante, igualmente perdido, igualmente aterrorizado, mas que também anda com pacotes entulhados nos braços. O Shopping Center, portanto, atua como espaço de socialização, de criação de laços sociais, mas com uma especificidade inerente aos tempos doentios em que vivemos.

Você não contata diretamente seu semelhante, trata-se de um reconhecimento puramente visual, passos apressados e trocas rápida de olhares.

“Ele é igual a mim, não estou ficando louco sozinho”.

Com efeito, loucura coletiva e arquitetonicamente explicitada: escadas que não levam a lugar nenhum, vitrines que se prestam ao uso como espelhos (para confundir o auto-reconhecimento com a adoração narcísica), banheiros supostamente mágicos e auto-limpantes – a exploração do universo do trabalho encontra-se camuflada. Em sua reiterada negação das diferenças de classes, o Shopping Center é inversão da realidade, imaginário do Olimpio, oferece aos consumidores a possibilidade de serem deuses.

Panteão que faz coro a nova compreensão de democracia, para banquetear-se com o néctar e com o ambrósio fornecidos pelos fast-foods nas praças de alimentação, basta empunhar a mais poderosa relíquia dos tempos modernos: o cartão de crédito.

II – Dos Shoppings de luxo
Continua.

6 comentários:

  1. A arquitetura dos shoppings é especialmente interessante.

    Já percebeu que nenhum shopping tem relógio.

    Ali esperasse que o consumidor se afaste de todo contato com o real para imergir na realização definitiva do ser humano: o consumo.

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  2. É o Totalitarismo de Mercado...muito bom o texto David..aguardo ansioso o próximo.

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  3. galera do CISCO, blz? Postei um texto no meu blogue, mais especificamente ao Márcio. Não deixem de ver. Logo volto pra ler o post e comentar de verdade.

    abraços

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  4. Muito bom o texto. Já viu "1,99 - O supermercado de palavras"?
    Ainda nas catedrais da idade média os pobres podiam entrar pedindo auxilio ao deus da época, nas novas catedrais do consumo, só podem comungar os que trazem oferendas.

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  5. modernos são o que compram... o shopping é por demais fora do tempo! e um lugar mágico! ah, se é! assustador...

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  6. Parabéns, pelo texto. Escrevi um texto que fala de forma semelhante sobre o assunto. Se tiverem curiosidade de ler fica em http://observadoressociais.blogspot.com/search?q=Templo

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