segunda-feira, 6 de julho de 2009

Uma Nova Esquerda?



O debate sobre a validade dos rótulos “Direita” e “Esquerda”, surgidos quando da fundação da modernidade durante o conturbado processo revolucionário francês, como chaves analíticas do mundo político pós URSS é coisa que vai longe. Apenas a título de apresentação da polêmica, até porque esse não é o tema do post, vale lembrar que esse debate esteve/está muito bem representado por dois grandes estudiosos da área. O italiano Noberto Bobbio, que preza pela atualidade dos ditos rótulos e, numa segunda perspectiva (não necessariamente oposta), temos Anthony Giddens, inglês, e conhecido mundialmente pela fundamentação teórica da chamada Terceira Via que, apesar de não desconsiderar por completo as noções vindas da França revolucionária, coloca que a política atual vai além dessas categorizações. Para uma explanação rápida dos princípios norteadores das teses de cada um deles, bem como do debate que se criou em torno, vá aqui.

Particularmente, tendo a concordar com Bobbio sobre a validade dos conceitos, pelo fato de, em primeiro lugar, comportarem mediações (centro, centro-esquerda, extrema-direita etc.) e, num segundo momento, por não serem as únicas chaves de análise do mundo político; até porque as noções de Esquerda e Direita não se limitam ao mundo político somente. O próprio Bobbio explicita uma outra díade usada na rotulação das ideologias políticas, formado pelos conceitos de Liberdade e Autoridade, de modo que a localização de uma idéia próximo a uma ou outra, definiria seu maior ou menor grau de intervenção do Estado na vida pública.

Basicamente, o método pra definirmos se uma ideologia é de Esquerda ou de Direita, ligaria-se à sua relação com a questão da Desigualdade e da Igualdade. Segundo o próprio: “(...) de um lado estão aqueles que consideram que os homens são mais iguais que desiguais, de outro os que consideram que são mais desiguais que iguais.” (Bobbio, 2001). Para as Esquerdas, em geral, grande parte das desigualdades são socialmente construídas, o que significa que a sua eliminação é possível, o contrário seria verdadeira no caso das Direitas. Daí pra frente a discussão só se complica, dado que as múltiplas Direitas e Esquerdas valorizam noções diferentes de igualdade (distribuição da riqueza, jurídica, inteligência dos indivíduos etc.), bem como em variados graus, que vão da igualdade totalitária à desigualdade institucionalmente imposta.

E para colocar mais lenha na fogueira, a alocação da filosofia/ideologia anarquista aí é mais complicada, dado que mantém aproximações com questões caras tanto às Esquerdas quanto às Direitas. A fim de não nos alongarmos mais nesse aspecto, creio que uma fato prático ajudaria bastante nesse dilema teórico: basta lembrar que, historicamente, os anarquismos foram perseguidos tanto por governos de Esquerda quanto de Direita - e pelos Centros também. Portanto, devemos refletir a partir daqui.

Bom, independente do fato da validade ou não dos rótulos de Esquerda e Direita, o ponto é que as assim chamadas esquerdas tradicionais, desde a queda do muro de Berlim, estão rodopiando tontas por aí, e pouco coisa sugere que encontraram um novo caminho. Pra não ir longe, basta ver a reação medíocre dos sindicatos brasileiros na atual crise: mobilização zero, propostas puramente reativas, convergência nula, neo-peleguismo a todo vapor – ironicamente quando da chegada ao poder de um partido de esquerda (sem aspas) –, poder de barganha extremamente fragilizado, bem como uma série de novas questões ainda não incorporadas à agenda do século XXI.

Uma das razões pelo qual isso se explica, é o fato da sociedade do trabalho (aspecto já discutido em outros posts), encontrar-se numa crise sem precedentes o que, indiscutivelmente, joga pra escanteio tudo aquilo que nele se fundamenta. Na medida em que o desemprego se torna um problema constante, sua margem de negociação frente ao capital se esvazia, o que explica, entre outras coisas, a quase-morte da tradicional esquerda aferrada às batalhas pelo trabalho.

Grande dificuldade das esquerdas, também, vemos nas questões relativas ao mundo virtual – até então tidas por elas como “cereja no bolo”. Isso tanto no que diz respeito à web como instrumento de arregimentação e mobilização, como no que toca às questões ligadas aos seus programas ideológicos e propostas de governo que, sem dúvida, ainda estão engatinhando.

Em segundo lugar, vemos, ainda, um desprezo, que beira o cinismo, dos temas ambientais. Nesse sentido, grande parte das esquerdas ainda se nutrem das idéias de progresso e crescimento econômicos ilimitados, idéias caras, que estão na origem das ideologias modernas (Marx é o exemplo paradigmático, mas os anarquistas também beberam nessa água, e ainda muitos bebem), e que estamos custando a largar.

É nesse contexto que vemos o princípio do que tenho a pretensão de chamar “Nova Esquerda” (seria melhor “Novíssima Esquerda”, pois a dita Terceira Via já era assim chamada, mas que, até hoje, não ofereceu algo que viabilizasse mudanças mais contundentes). Em notícia veiculada semana passada, o Partido Pirata Sueco, agora com representantes no Parlamento Europeu, formalizou aliança com os Verdes de diversos países, deixando de lado Comunistas, Socialistas, Social-Democratas e a turma das direitas também. Confira aqui os detalhes da aliança.

No entanto, talvez ainda seja um pouco cedo pra chamarmos essa turma de “Nova Esquerda”, mas vejamos o que nos permite fazer essa afirmação, mesmo que provisória. O Movimento Copyleft tem fundamentos que o traz fortemente pro lado das esquerdas, que é a defesa de redes horizontais de compartilhamento e o questionamento da noção hoje aceita de propriedade – ou seja, preza, portanto, por uma concepção mais igualitária em várias áreas. Algumas propostas vão além, vendo a Internet como uma forma de eliminar o maior número de mediações possíveis no mundo real – no comércio, na produção, na política, no ensino etc – enfim, usar a web como um meio de intensificar a autogestão e a democracia direta. Essa turma, hoje, tem visto a formalização de seus projetos pelo surgimento e crescimento dos Partidos Piratas mundo afora.

Pelo lados dos Movimentos Ambientalistas, a questão é mais complexa, dado ser um tema que está melhor compartilhado entre Direitas e Esquerdas. Na verdade, a própria questão ambiental é originária das Direitas, compondo as agendas das Esquerdas apenas em meados das décadas de 1960-70 do XX. Até hoje a questão ambiental não é prerrogativa de nenhum dos dois lados, e é interessante pensarmos que foi justamente por meio desse movimento que Guiddens criticou a díade de Bobbio. É um ponto interessante a se pensar.

E mais, creio que o fato de, até então, nem Esquerdas e nem Direitas terem pegado com afinco os temas da ecologia, da sustentabilidade, do crescimento econômico etc, coloca os Verdes como algo mais indefinido. A própria trajetória desses, até hoje, muitas vezes, despreocupados quanto aos vínculos das questões ambientais com os problemas sociais, mostra uma incerteza latente.

No entanto, por outro lado, essa recente aproximação entre Verdes e Piratas não deixa de sugerir, pelo menos para mim, esperança. Isso pode significar uma re-fundação do espaço público hoje tão desgastado por essas já carcomidas Direitas e Esquerdas que vemos por aí. E, na medida em que esses dois movimentos nascem de questões bastantes alinhadas à vida das pessoas hoje em dia, inclusão digital e meio ambiente, tal proposta pode ganhar muita força.

Mas ainda é tudo muito recente. É difícil saber se a aliança se sustentará e crescerá, como as esquerdas tradicionais vão reagir, como os governos incorporarão essas demandas e por aí vai.

Contra as esquerdas tradicionais, por demais autoritárias – no sentido conceitual do termo – e ainda atreladas à lógica do trabalho, uma “Nova Esquerda” pode estar surgindo: Verdes e Copyleft, Sustentabilidade e Compartilhamento, contra Desenvolvimentismo e Propriedade Privada Intocável.

Saúde e Anarquia pra todos!

2 comentários:

  1. Não sei se nutro as mesmas esperanças...

    Como você mostrou no caso dos temas ambientais, eles tiveram e tem uma forte vinculação com a direita...

    Da mesma forma, o debate da pirataria não é necessariamente atrelado ao socialismo... sendo o partido pirata sueco mais ligado à direita, como avaliou o próprio Peter Sunde, eleitor do partido verde e não do pirata.

    Creio que se os debates ambientais e pró livre circulação da informação se articularem pelas lutas por igualdade social e liberdades políticas, uma coisa boa pode surgir...

    Mas, nada, por enquanto garante isso...

    De certa forma, assim como se viu, por exemplo, na atuação do reprentante gay americano Milk, eles tem certas tendências fisiológicas, buscando os melhores arranjos políticos para vitórias de suas causas, pouco se importando com outros temas.

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  2. Este e um texto interessante mas não leva em conta algumas das principais dúvidas que movem o debate ambiental acerca de direita e esquerda.1- Como fica a relação capital X Meio ambiente,pois não existe desenvolvimento sustent´vel dentro de um modelo capitalista.2- A liberdade de idéias é fundamental, algo que nem a esquerda totalitária e que nem a direita deram pois mesmo vivendo em um sistema presidencialista burguês só os ricos apresentam possibilidade real de escolha tanto do nível eonômico quanto social 3- Não fica claro também como funciona a economia pois não dá para entender que tipo de estado é defendido( democrático, totalitário ou nenhum) 4- Na questão econômica também não fica claro se há defesa de uma economia liberal, planificada ou mista. 5- Apesar de se declarar um texto anarquista não fica claro influência de nenhum de seus principais teóricos( Bakunin,Malatesta, Proudhon) e assim não entendo como se molda e se defende teorica e ideologicamente o estado proposto. 6- Se há críticas a terceira via a direita e a esquerda tradicional, será que a idéia não seria a reconstrução do marxismo original sem as deformações feitas ao longo do século XX ? Será que a solução deixou de ser o socialismo real contrário aos totalitarismos stalinistas? Na verdade dentro da proposta apresentada o que me deu a entender não foi uma proposta de ruptura com o estado burguês tradicional, mas mais uma tentativa de se legitimar um estado desigual que não leva em conta as individualidades e nem tampouco a econoia de cunho sustentável.

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